Separação

Eu saí de casa, não faz nem uma semana. Vim morar com outra pessoa, estou conhecendo sua família e amigos. Também tem dois filhos pequenos, como eu. São todos pessoas ótimas, me identifico tanto, parece que encontrei, enfim, minha família.

Aqui é um pouco diferente, ainda estou me acostumando com outra rotina, outros hábitos, tenho que me enquadrar. Eu não conhecia muito bem sua vida. É uma família grande, reúnem amigos e viajam bastante, até de trailer. Banheiro de trailer é estranho, eles almoçam todos juntos, comem pouca salada e só arroz branco. E tem coisas que não sei explicar, o olhar, o dinamismo, a energia. Foi muito intenso, foi algo como me encontrar neles, tem algo aqui que me atrai demais, sei que esse é o meu lugar.

Eu nem sei bem como eu saí da minha casa, deixei meus filhos. E eu havia dito há poucos dias que sempre estaria com eles. 

Agora estou aqui. Sei que sentem falta de mim. Tenho certeza que o mais pequeno pede por mim e chora. Isso está me doendo muito mais do que eu podia imaginar. Às vezes parece que só quero largar tudo e voltar, abraçar meus filhos e dizer: voltei pra ficar. Mas com que cara… não, não iria me perdoar, nunca. Passo os dias sem conseguir aproveitar, sem me concentrar nem no trabalho. Penso nos filhos o tempo todo. Aqui já estão me achando uma pessoa estranha. Preciso ver meus filhos, ver se estão bem.

Hoje aconteceu um acidente aqui, alguém atingiu o carro estacionado, ficou bem danificado, ainda bem que ninguém estava dentro. Já estamos vendo o conserto, vai sair bem caro.

O dia a dia aqui é leve, é bom. Mas preciso simplesmente conviver com meus filhos, preciso acompanhar eles crescendo, não posso deixá-los. Nunca me preocupei tanto com eles. Nunca pensei que sentiria tanta falta. O que eu faço?

Depois de 27 anos, ela foi embora

– Aproveitando o sol pra secar umas roupas seu Arci!

– É, é. Tô de folga hoje, tem que lavar roupa. Essa vida de maria não tá fácil. A senhora sabe que eu me separei né?

– Pois é, fiquei sabendo, a Tereza foi embora?

– Foi morar num apartamento, depois de 27 anos. Faz três mês já, mas eu ainda não me… eu perdi o chão.

– Ah é difícil seu Arci, é difícil. Eu me lembro quando eu fiquei viúva, tava grávida com mais três filho pra criar (suspiro). Mas Deus ajuda, hoje tão aí tudo criado, mais os neto, tudo com saúde graças a Deus.

– É, ainda isso, eu pensei que ela ia levar o menino. 

– Ah não levou?

– Levou nada, tá comigo, só vai no fim de semana. Até… ontem ele falou que queria ir morar com a avó. Mas eu não posso… eu sou o pai, como é que eu vou… não dá. E olha que sou um paizão.

– Eu sei seu Arci, o senhor é um paizão, é verdade. Mas o mais velho já saiu de casa né? E o menino já tá grande, quantos anos?

– Já já, o mais velho casou, o pequeno tá com oito. Mas dá trabalho, vou trabalhar, daí tem que fazer o almoço, dou o almoço pra ele, largo ele na escola, vou correndo pro trabalho, depois pego ele na escola, é corrido, cansa.

– Ah cansa sim! Quando eu fiquei viúva, não tinha ajuda de vó, de ninguém, uma vizinha ficava com eles pra eu poder trabalhar. E eu pagava pra ela, eu ganhava pouco. Daí quando a mais velha tava maiorzinha, uns 9, 10 anos, eu deixava ela cuidando dos menorzinho de tarde. De manhã iam pra escola. Eu ainda fazia faxina nos fim de semana, daí dava pra sobrar uns troco. Roupa pras crianças eu sempre ganhei, sempre tinha uma patroa que ajudava, daí eu aproveitava as mesma roupinha pros quatro. 

– É mas não tem descanso né.

– Não seu Arci, tem descanso nunca mais. Por que depois que os filho cresce, vem os neto, e a gente tem que ajudar né? Eu pelo menos ajudo, porque eu não quero que meus filho passe o que eu passei. O meu caçula sabe, ele era meio doentinho, me chamava muito de noite, tive até que levar pro hospital umas vezes. E eu sozinha, não foi fácil. Tinha dias que eu ia trabalhar sem dormir nada nada, nem uma horinha, parecia que eu ia desmaiar. Mas tinha que continuar, tinha que trabalhar. 

– Imagino, e todo serviço de casa ainda…

– A minha casa era de menos, fazia o que dava, se tinha roupa e comida pras crianças tava bom. Mas eu sempre cuidei bem do meus filho, nunca deixei faltar nada pra eles. Seu Arci, a gente nunca se arrepende de cuidar bem dos filho. E a vida é assim mesmo, tudo passa seu Arci, tudo passa.

– É, tá certo, é assim mesmo.

– Deixa eu te dizer uma coisa, o meu neto mais velho é um pouco maior que o seu menino, acho que tem umas roupa que tão escapando, não serve mais. O senhor aproveita?

– Aproveito sim, as calça dele já tão ficando curta… ainda isso.

– Graças a Deus, tá crescendo bem. Vou trazer pro senhor. Mas fé em Deus seu Arci que tudo passa, importante é ter saúde. 

– É, é, importante é ter saúde.