Nasceu o filho – casal 1

Ainda a acho bonita

Está cuidando bem

sei, reconheço

do nosso filho amado

Mas eu nada mereço?

Ela me deixa de lado

 

Tudo bem, ele participa

mas devia assumir também

Eu amamentando, cuidando

de dia e de madrugada

E ele descansando

Me sinto sozinha, isolada

 

Ela nem olha pra mim

Cada dia mais distante

Parece que por fim

Não sou mais seu amante

 

Médico, remédio, lanche, 

casa, roupa, mamadeira

Ainda nem tomei banho hoje

Que correria, que doideira

 

Mais isolado a cada dia

Desistindo de querer te amar 

Não conseguimos mais conversar

Perdi pro meu filho

 

Sobrecarregada, assim estou

Não tenho alguém pra me ajudar

Do meu grande amor o que restou?

Cuecas pra lavar

 

Fulana,

vc ainda me ama?

 

Amo,

queria amar

 

Que te impede?

 

Cansaço, desilusão

 

É…. Bem…

 

!!Quem sabe vc vem me ajudar seu folgado faço tudo sozinha e você aí sentado!!

 

(pausa… respiração suspensa)

 

!!Você nem olha pra mim diz que eu faço errado pega o filho pra ti e me empurra de lado!!

 

(pausa… respiração suspensa)

 

Bem, eu posso levar o lixo…

 

Sim, e também precisa lavar cozinhar passar arrumar limpar trocar fraldas dar banho mamadeira ninar… Você pode ajudar?

 

Mas tudo isso??

 

Sim! É pegar ou largar!

 

(glup!) Bem, sendo assim… 

 

Ah! que bom! Vou fazer um cronograma organizando as tarefas.

 

Peraí peraí! Eu obedecendo e você mandando? Nem pensar! Deixa eu fazer do meu jeito.

 

Hum… não sei se posso confiar…

 

É pegar ou largar!

 

(glup!) Bem, sendo assim… 

 

E esse casal não se separou (ao menos por enquanto).

Recém-casados – casal 2

– Ah, domingão… Vamos assistir um filme hoje?

– Hoje vou sair com minhas amigas de tarde, pode ser de noite?

– Sério? Você nem me falou nada.

– Tô falando agora.

– Puxa, eu deixei de ir jogar futebol, ontem, pra ir contigo na casa da sua mãe. Dei a você uma prova de amor, hein!

– É verdade. Mas eu olho o filme contigo de noite, pode ser?

– Nossa, eu tô desvalorizado mesmo.

– Como assim? Eu acabei de dizer que vou assistir o filme de noite. Que foi, tá com ciúmes das minhas amigas?

Breve silêncio.

– Não, só me dei conta que eu sou um otário.

Breve silêncio.

– Tá, desculpa, eu digo pras minhas amigas que hoje eu não posso ir, eu passo o dia contigo.

– Não, pode ir com as tuas amigas, eu vou fazer outra coisa.

– O que você vai fazer? 

– Eu não perguntei o que você vai fazer com suas amigas.

– Ah, você sabe, sair com elas, conversar, botar os assuntos em dia… E você o que vai fazer?

– Acho que também vou sair com os amigos, conversar, botar os assuntos em dia.

– Tá mentindo.

– Por quê?

– Você nem combinou nada, ia ficar em casa vendo filme.

– Já tô no whats…

– Ei, espera, fala comigo!

– O que foi?

– Tá, então vamos fazer assim, essa semana eu fico contigo e no próximo eu saio, combinado? Olha só, eu abri mão de sair com as minhas amigas, também é uma prova de amor.

– Não, eles vão jogar futebol de novo hoje. Feitoooooo!!

– Tá, então vamos fazer assim: nesse finde a gente sai…

– … e no próximo a gente combina antes. Ou pelo menos avisa, com respeito, né??

– Desculpa, é que eu tava muito a fim de sair, elas vão pro bar novo que abriu…

– Tá brincando?! Uma água lá custa o preço de um almoço!

– Como você sabe??

– Me disseram.

– Ahã, sei…

– Verdade!

– Tá, vou deixar assim…

– Eu também vou deixar assim, mas só dessa vez hein? E vê se não gasta muito. 

– Ué, eu ganho meu dinheiro.

– Aliás nós vamos ter que conversar sobre as contas da casa, eu tô pagando tudo.

– Tudo não, eu pago o cabeleireiro e também faço mercado… às vezes.

Olhar irônico, mortal.

– Cabeleireiro né… tô falando das contas da casa, que a gente tem que dividir, di-vi-dir.

– Como assim??

– Claro! Você trabalha, eu trabalho, moramos juntos, então a gente divide as contas.

– Mas você ganha mais do que eu!

– Ah sim, muuuito mais… deve dar uns 50 reais de diferença.

– É verdade… tá, outra hora a gente fala disso.

– Já tá avisada,  nesse mês vamos dividir.

– Tá, tá… vamos almoçar que eu vou me atrasar.

– Por falar nisso, o que tem pra comer?

– Nada, vamos pedir alguma coisa.

– De novo? Tá, nem vou discutir.

– Por que você não pensou no almoço? Por que tem que ser eu?

– E por que tem que ser tudo eu?

– Ai chega de discutir. Que tal uma pizza?

Recém-casados – casal 1

Ele a convidou para assistir a um filme e diz a ela: 

– Minha cerejinha do meu bolo. 

– Ah… Meu docinho de coco.

– Eu estava ansioso pra assistir esse filme contigo.

– Eu também.

– Ah, você já conhecia esse filme??

– Não, só queria ver um filme.

– E você tá gostando?

– Sim, muito.

Dois minutos depois.

– Querida, tá dormindo?

– Hã?!

– É, parece que não tá gostando tanto do filme.

– Não, é que eu estou cansada…

– Mas é fim de semana, a gente não fez nada!

– É, na verdade achei que o filme seria diferente…

– Pode dizer que não gostou!

– Você não vai ficar chateado?

– Claro que vou, já fiquei, porque você mente?

– Eu queria te agradar…

– Que sem graça. Eu pensando que tava legal e você fingindo.

– Bem, você nem me perguntou que filme eu queria ver.

– Era uma surpresa!

– Ok, e porque você tinha certeza que eu iria gostar?

– Porque a gente sempre gosta das mesmas coisas.

– Bem, nem sempre.

– Não? Então você finge às vezes?

– Não, não é fingir, é que…

– Entendi, quer me agradar…

– Sim, gosto de ficar contigo.

– Mas afinal, do que você gosta? Estou contigo há tanto tempo e não te conheço. Não consigo te agradar, não sei quando confiar ou desconfiar.

– Eu também estou comigo a tanto tempo e não me conheço. Só quero que você goste de mim.

– Claro que eu gosto, mas não sei mais quem você é, o que você gosta, o que você quer. Já tô ficando cansado.

– Eu também estou cansada de ser criticada, não importa o quanto eu me esforce, parece que nunca sou boa o suficiente.

– Como assim? Você sabe que eu te amo.

– Você ama a realidade ou o seu ideal?

– Você sempre me pareceu ideal, a gente gostava das mesmas coisas, a gente combinava em tudo! O que está acontecendo?

– Sinto muito, eu tentei ser o teu ideal, mas estou vendo que não deu certo.

– Você tentou… então quem é você?

– Aceita me conhecer de verdade? Com respeito? Não vai criticar o tempo todo?

– Vou tentar, vou me jogar nessa aventura louca. E vamos ver no que dá.

– Sim, vamos ver no que vai dar. Boa noite.

Ela foi dormir, e ele continuou vendo o filme. No dia seguinte, foram a um restaurante diferente, que ela sugeriu, e se divertiram.

Desconfiança

– Se olhar pro lado você vai ver!

– Calma, só tenho olhos pra você

– Ãhã, sei, conversa fiada

– Mas como é desconfiada!

 

Esse foi nosso último diálogo

antes de sairmos, ao entardecer

Fico com raiva e me irrito logo

Mas ele é legal, vou reconhecer

 

Às vezes lembro da minha vó

dizendo homem não presta

E me pedia com cara de dó

Nunca nunca case, minha neta…

 

Casei. Igual a ela, e a mãe também.

Assim como elas, eu quero engravidar.

E a avó dizia, menina escute bem

Minha neta, ter filho é se escravizar…

 

E agora, no carro, ao meu lado 

dirigindo sem se dispersar

O meu homem tão amado

em quem não consigo confiar

Confie em mim

Por que você me trata

como se eu fosse um canalha?

 

Fica repetindo jargões tipo

são todos iguais, bla bla bla

 

Me dá uma chance eu vou te mostrar

que eu sou homem e sei amar

 

Quero ter uma família

contigo, se você aceitar

Uma mulher à altura

Ele encontrou a mulher dos seus sonhos, era o relacionamento perfeito. Linda, com um corpo absolutamente escultural, um bom humor incrível, parecia que ela lia seus pensamentos e sempre conseguia fazê-lo feliz. Finalmente ele encontrou alguém à sua altura. Ele até gostava de observar os olhares dos amigos, misto de admiração e inveja. Namoraram durante  alguns meses e decidiram morar juntos, sem formalidades. Foram imensamente felizes durante 2 anos.

Ela era vaidosa e investia na sua beleza extraordinária. Às vezes ela comprava coisas um pouco caras. Apesar de ela não trabalhar, ela tinha seu próprio dinheiro, pois havia recebido uma herança razoável do pai, segundo ela mesma contou. Um dia ela chegou em casa com um anel realmente caro. Ele conhecia joias, então tinha certeza que ela pagou uma pequena fortuna por aquele anel. Mas aquele anel… Ele perguntou e ela explicou:

– Este aqui? Ah, sim, ia te mostrar. Fui ao shopping só para dar uma volta, me alegrar um pouco, estava me sentindo sozinha… e quando passei em frente à vitrine, vi este anel e pensei: “Oh meu Deus! É perfeito! Foi feito para mim!” Não tenho palavras para dizer como eu me senti, toda minha solidão desapareceu, fiquei tão empolgada!! Não resisti: entrei e comprei! Foi um pouco caro… mas eu amei tanto!

Ele ficou contente ao ver a felicidade dela, e ao mesmo tempo ele se sentiu culpado por ela estar se sentindo sozinha. Talvez ele estivesse trabalhando demais. 

Ela apareceu com algumas compras extremamente caras, até mesmo para o padrão de vida elevado que tinham: roupas, perfumes, joias. 

Vou resolver isso! Pensou.

Ele se dedicou mais ao relacionamento. Saíram para jantar algumas vezes e fizeram algumas viagens curtas nos finais de semana. 

Numa sexta-feira, ele conseguiu liberar a tarde inteira, chegou em casa logo depois do almoço. Ela não estava, mas chegou logo em seguida. 

– Oi amor, você está aí?? Ah… que bom! 

E começou a falar rápido.

– Deixa eu tomar um banho, caminhei tanto, fui almoçar naquele restaurante que a gente foi uma vez, lembra…

Ele não ouvia mais nada, estava concentrado no cheiro do perfume masculino que adentrou com ela. Ele conhecia muitos perfumes, sabia até o nome do excelente perfume francês que ela exalava, tinha certeza. 

Rapidamente ela foi tomar banho e ele ficou sentindo aquele perfume inconfundível no ar. E ele realmente sentiu uma dor no peito: aquele perfume não era dele. Traição! Sentiu-se traído. Mas no fundo, quase não conseguia acreditar.

Não falou sobre o assunto. Naquele dia ela foi apaixonadamente amorosa e carinhosa. Naquela noite, ela o fez mais feliz do que nunca. Todas as suas desconfianças se diluíram: ela realmente o amava. Não havia dúvida.

Porém, ele não esquecia aquele perfume. Um dia ela saiu e ele decidiu mexer nas coisas dela. Encontrou debaixo do fundo de uma caixa de maquiagem, bem dobrada, uma certidão de casamento. Constavam ali três casamentos e três separações.. Ela havia dito que nunca casou pois nunca havia encontrado um amor verdadeiro. Ele ficou estarrecido. Seu mundo desabou.

Um dos ex-maridos era famoso, os outros dois ele pesquisou na internet. Todos pertenciam à alta sociedade – mais alta do que ele próprio. E a cada casamento ela mudava de nome. 

Sentiu um frio imenso na espinha: ele estava vivendo com uma golpista, uma incrível intérprete do papel de mulher perfeita. 

Nos dias seguintes, alegou excesso de trabalho na empresa, saia cedo e chegava tarde. Pelo olhar dela, ele percebeu que ela desconfiava de algo. Ela o olhava com olhos fixos de gata, hipnotizante, como se pudesse ler os pensamentos dele. Ele tentava aparentar naturalidade em tudo, mas ela sempre conseguia ser mais espontânea e criativa. Obviamente ele não encenava bem, e ela sabia disso. Mas, habilidosa, ela sempre entrava no jogo e fazia parecer que ele estava dominando a cena.

Um mês depois, ele estava exaurido. Um dia tomou coragem e falou tudo que ele sabia. Ele queria dar-lhe apenas algum dinheiro, mas ela queria o apartamento, e ela revelou ser a negociadora mais habilidosa e agressiva que ele já havia conhecido em toda a sua vida de executivo. Ela ameaçou inventar horrores sobre ele nas redes sociais e até na imprensa, e ainda arrematou: você sabe que a verdade é uma questão de ponto de vista, não é? 

Chegaram enfim a um acordo: ele depositou um bom valor em dinheiro na conta dela e transferiu para ela o carro, o seu carro, seu xodó, que custou uma fortuna. Ele tremia de raiva quando entregou o carro a ela, mas pensou: eu entrego os anéis para não perder os dedos. 

Ela entrou no carro e foi imediatamente ao shopping, visitar uma de suas lojas preferidas e comprou a sandália e a bolsa mais caras da loja. Sentia-se deslumbrada com a sandália cravejada de joias que acabara de comprar. Sentia que estava pisando nas nuvens, e foi para o apartamento do amante, que seria a partir desse dia, seu novo esposo.

O falastrão

– Bom dia querida!

– Bom dia.

– O que temos para o café? Hum omelete! Acertou, estou com fome.

– Eu também. 

– Há eu gosto assim, você sabe né? Um pouco torrado ao redor, mas macio por centro, assim meio grosso, pra ficar com essa textura…

Depois de vinte minutos falando, ele estava saindo.

–  Muito bem, o trabalho me espera, hoje vai ser um dia cheio, tenho metas importantes para hoje! Eu ia dizer pra você me desejar sorte, mas tenho certeza que nem precisarei! Hahaha. Tchau, até de noite!

– Tchau.

Todo dia era assim. Ele era o centro, ele falava, ele tinha todas as iniciativas para tudo. Quando o conheceu, ela se encantou com a personalidade dele, extrovertido e cheio de autoconfiança.

Ela era o contrário dele. Desde criança se sentia invisível. Às vezes queria ser vista; outras vezes, sentia uma vontade inexplicável de sumir, desaparecer de vez.

– Bom dia minha querida!

– Bom dia.

– Cheiro de torrada! Minha preferida! Eu sei que a mais tostada é a minha… só tem uma?

– É a sua.

– Você não vai comer?

– Estou sem apetite, me sinto fraca… faz tempo, na verdade…

– Há já sei! Então você precisa de um café da manhã mais reforçado! Nenhuma fraqueza resiste a uma omelete com torrada com queijo derretido…

Depois de vinte minutos falando, ele estava saindo.

– Tchau querida!

– Tchau.

Alguns dias depois…

– Bom dia querida!

– Bom dia.

– O que temos pro café hoje? Só pão e requeijão?

– Estou sem energia pra fazer nada. 

– Ah, tudo bem, descanse um pouco. Eu me viro com isso mesmo. Depois eu faço um almoço reforçado…

Pela primeira vez ela o interrompeu. 

– Preciso te contar algo importante…

– Ah, minha querida, por falar em importante, você é a coisa mais importante da minha vida, nada seria mais importante do que você, você sabe disso, não é?

– Sim, mas ontem fui ao médico…

– O Dr. José? Ah! Ele é incrível não é? Faz tempo que não vou lá. Da última vez ele me disse “a sua voz ainda vai ecoar por muito tempo, você está forte como um touro!!” Hahaha, ouviu isso? Forte como um touro!

– Não fui ao Dr. José, precisei de outra especialidade, na verdade…

– Agora que eu vi a hora, estou quase atrasado, se vir o Dr. José, mande lembranças! Tchau meu amor!

– Mas… tchau.

Alguns dias depois…

– Há, você ainda está na cama? Desculpe, vou me vestir com a luz apagada para deixar você dormir… você anda sonolenta hein? Talvez seria bom ir ao médico. O Dr. José é muito bom, lembra dele? Ah, desculpe, você está dormindo. Pode ficar aí, eu já encontrei minha roupa, não se preocupe comigo, eu vou tomar café naquela padaria da esquina, sabe qual? Lá, o café é quase tão bom quanto o seu. Tchau querida!

O dia passou rápido. À noite, quando ele voltou, estranhamente não tinha ninguém em casa. Em poucos minutos ouviu a campainha e foi atender.

– Sim!

– Olá, sou seu vizinho de apartamento…

– Sim, eu sei, já nos encontramos no elevador algumas vezes, não é? Em alguns dias quando eu saí em horário diferente encontrei o senhor, é que normalmente eu saio bem cedo…

– Tentamos contato com o senhor a tarde inteira…

– Ah, hoje passei o dia correndo, passei a tarde ocupado com três reuniões, foi uma loucura…

– Entendo, mas queria lhe falar sobre sua esposa.

– Ah, sim, ela é uma pessoa maravilhosa, mas sabe, vou lhe dizer uma coisa, em tantos anos de casados ela sempre estava em casa nesse horário e o senhor não vai acreditar, pela primeira vez chego em casa e ela não está! Sabe…

O vizinho interrompeu e falou alto.

– Ela foi encontrada morta em casa hoje e acabou de ser enterrada.

– O quê??

– Isso que o senhor ouviu, sinto muito falar dessa forma, é que eu estava tentando lhe dizer… 

– Mas como assim? Morrer assim de uma hora pra outra? Que tristeza!

– Na verdade ela estava doente há meses…

– Que tristeza! Mas e agora, quem vai morar comigo? Assim, de uma hora para outra, eu não estava preparado! 

Fez meio segundo de silêncio. E continuou de supetão.

– Sabe amigo, vou lhe contar um segredo: ela era a pessoa com quem eu mais gostava de conversar…

E o vizinho conseguiu se desvencilhar depois de dez minutos e dezoito olhadas discretas para o relógio.

Ele, o falastrão, entrou no seu apartamento. Sozinho.