Deixar semente

A semente não questiona

não reclama não reluta

enraíza e labuta

na terra fofa ou pedra bruta

Toda energia na vida

que se procria infinita

em condição macia

vira planta bonita

Mas na paisagem crua

mal veste terra nua

de aridez indecente 

onde luta, sofre e sua

para deixar nova semente

Raiar sorrindo

Raiar o dia sorrindo

É para quem tem calor

Fogo e um brilho lindo

E não dá bolas pra dor

 

Não surpreende que nada

Nem chuva ou temporal

Subtraia-lhe a risada

Nada lhe causa mal

 

Não fica dando voltas

Se ergue para brilhar

E se ninguém enxergar

 

Acaso se importa?

Que nada… vai continuar

na jornada do tempo

a sorrir e raiar

Ciência

Quando menos se espera 

A maçã despenca  

e a gravidade se revela

 

E como mágica 

a sombra de um longo palito 

revela a matemática 

para quem não é distraído

 

E alguém na banheira mergulha

se da conta do espaço

do corpo e da água Eureka!

sai depressa e nem se seca

 

Para provar que a onda é partícula

e vice-versa 

constrói o acelerador 

Mas já ouvimos essa conversa 

com quem medita e supera 

o prazer e a dor

 

Falar em mistério

é um eufemismo 

Na verdade, fala sério

reconheço que sou bobo e cego

nesse infinito universo

Pôr do sol

A claridade pálida da lua

Hipnotiza as emoções

Só quando a noite se insinua

Depois que o sol se põe

 

Então a matéria dura

Se deforma em vultos

E os infantis adultos

Tem medo de sepultura

 

Gradualmente se impõe a penumbra

Para os ansiosos, tanta pergunta

Outros veneram a arte inédita

 

Os últimos riscos da luz pretérita

Cantam o mantra geométrico das cores

Enquanto evocam os poéticos amores

Voa passarinho

Se a vida não pode te nutrir na fonte

absorve tudo até o horizonte

Degusta o parco grão

Disperso pelo chão

Passarinho, ele vai te alimentar

Não percas tempo, não lamentes

Um passarinho não range os dentes

Permite a ti ser leve e voar

pra onde o vento te levar

E talvez de nada lembres

Só o prazer do vento na cara

no céu de imensidão rara

Todo dia milagre

Quando a lua se esconde 

E desponta o sol gigante

Os pássaros renascem

As plantas se espreguiçam

As pessoas acordam… 

(Algumas ou pouco depois)

Luz e calor de fogo se entremeia

A natureza toda se incendeia 

Gratidão duendes, fadas, sereias

Por permitirem mais um dia o milagre da vida

Vento

Igual ao vento

que passa por tudo 

e segue seu intento

 

Leve e intenso

raja, desvia, rodopia

dança com os obstáculos 

e com o tempo

 

Potencial furacão

que arrasta tudo 

em seu caminho

ou redemoinho

que arranca tudo do chão

 

Não quer destruição

e sim afagar os rostos

renovar os ares 

de qualquer rincão

suave, constante, sem pressão

 

O grande barato 

é se elevar às nuvens

e ver tudo do alto

atravessando o planeta 

como se vivesse no espaço

 

Voar é como ir 

para outro mundo

Mas o movimento 

não é uma vara de ferro

não vai sempre reto

e sim entrelaça rodopia e dança

 

Então se diverte

ao cruzar obstáculos

conhecer cada folha das árvores

sustentar as asas dos pássaros

cantar ao lado das janelas

fazer bagunça nas ruelas

Ah, nada fica parado

pelo vento renovado

Cacto

O ambiente árido eu conheço

Espinhento, resistente 

Cresço, lento mas cresço

Rebroto a cada quebrada

Nem preciso deixar semente

 

Quem toca minhas mãos ásperas

se arrepende

Ninguém entende

Sinto muita lástima

Mas não posso fazer diferente.

 

Meu espinho fura

Minha seiva cicatriza

Minha folha é dura

Minha flor suaviza

Sou o paradoxo da vida