Recebi tanto

Tive uma família

escolas de graça

bons amigos

E talvez nenhum grande inimigo

Recebi muita saúde

vi o rural e o urbano

a pobreza e a riqueza

já visitei o poder

já vesti a invisível exclusão

Conheci a História do mundo

e todas as leis 

Aprendi a dividir e a acumular

Sobretudo, aprendi a me perguntar

De tanto lutar 

dominei a guerra 

e a paz eu se sei selar

Já trabalhei a terra, o papel, o teclado

amei o futuro, o presente o passado 

Perdi e reencontrei a mãe diversas vezes

Aprendi a simplesmente olhar o pai nos olhos

Ganhei uma segunda, uma terceira família

aprendi sobre harmonia

Cuidei do cabelo rebelde

do cachorro, do gato

de mim, de nós, do bebê

Aprendi a parar de reclamar

Para quem está em paz com o lar

todo chão é bom pra morar

Para quem entendeu dez por cento

de sua mãe e seu sofrimento

toda cobrança acaba

Para quem deu um teto ao pai

dentro do coração

realidade é realização

Quem decide amar sem paixão

pacifica um furacão

e em vez de destruição

faz ninho no coração

Como viver um grande amor

Flores não rimam com dores

Antes, com grandes amores

Eles não trazem decepção

Só liberdade e compreensão

 

Prender a flor e a borboleta?

Numa imagem presa na mente?

Ou numa câmera obsoleta?

Que só grava precariamente

 

A memória é insignificante

perto do que há no mundo

O que vivo agora é tão grande

não importa o passado e o futuro

 

Assim se vive um grande amor

Pra que fotografar a dor?

Deixo com cada um o que é seu

E vou curtir o agora que é meu

Nasceu o filho – casal 1

Ainda a acho bonita

Está cuidando bem

sei, reconheço

do nosso filho amado

Mas eu nada mereço?

Ela me deixa de lado

 

Tudo bem, ele participa

mas devia assumir também

Eu amamentando, cuidando

de dia e de madrugada

E ele descansando

Me sinto sozinha, isolada

 

Ela nem olha pra mim

Cada dia mais distante

Parece que por fim

Não sou mais seu amante

 

Médico, remédio, lanche, 

casa, roupa, mamadeira

Ainda nem tomei banho hoje

Que correria, que doideira

 

Mais isolado a cada dia

Desistindo de querer te amar 

Não conseguimos mais conversar

Perdi pro meu filho

 

Sobrecarregada, assim estou

Não tenho alguém pra me ajudar

Do meu grande amor o que restou?

Cuecas pra lavar

 

Fulana,

vc ainda me ama?

 

Amo,

queria amar

 

Que te impede?

 

Cansaço, desilusão

 

É…. Bem…

 

!!Quem sabe vc vem me ajudar seu folgado faço tudo sozinha e você aí sentado!!

 

(pausa… respiração suspensa)

 

!!Você nem olha pra mim diz que eu faço errado pega o filho pra ti e me empurra de lado!!

 

(pausa… respiração suspensa)

 

Bem, eu posso levar o lixo…

 

Sim, e também precisa lavar cozinhar passar arrumar limpar trocar fraldas dar banho mamadeira ninar… Você pode ajudar?

 

Mas tudo isso??

 

Sim! É pegar ou largar!

 

(glup!) Bem, sendo assim… 

 

Ah! que bom! Vou fazer um cronograma organizando as tarefas.

 

Peraí peraí! Eu obedecendo e você mandando? Nem pensar! Deixa eu fazer do meu jeito.

 

Hum… não sei se posso confiar…

 

É pegar ou largar!

 

(glup!) Bem, sendo assim… 

 

E esse casal não se separou (ao menos por enquanto).

Recém-casados – casal 2

– Ah, domingão… Vamos assistir um filme hoje?

– Hoje vou sair com minhas amigas de tarde, pode ser de noite?

– Sério? Você nem me falou nada.

– Tô falando agora.

– Puxa, eu deixei de ir jogar futebol, ontem, pra ir contigo na casa da sua mãe. Dei a você uma prova de amor, hein!

– É verdade. Mas eu olho o filme contigo de noite, pode ser?

– Nossa, eu tô desvalorizado mesmo.

– Como assim? Eu acabei de dizer que vou assistir o filme de noite. Que foi, tá com ciúmes das minhas amigas?

Breve silêncio.

– Não, só me dei conta que eu sou um otário.

Breve silêncio.

– Tá, desculpa, eu digo pras minhas amigas que hoje eu não posso ir, eu passo o dia contigo.

– Não, pode ir com as tuas amigas, eu vou fazer outra coisa.

– O que você vai fazer? 

– Eu não perguntei o que você vai fazer com suas amigas.

– Ah, você sabe, sair com elas, conversar, botar os assuntos em dia… E você o que vai fazer?

– Acho que também vou sair com os amigos, conversar, botar os assuntos em dia.

– Tá mentindo.

– Por quê?

– Você nem combinou nada, ia ficar em casa vendo filme.

– Já tô no whats…

– Ei, espera, fala comigo!

– O que foi?

– Tá, então vamos fazer assim, essa semana eu fico contigo e no próximo eu saio, combinado? Olha só, eu abri mão de sair com as minhas amigas, também é uma prova de amor.

– Não, eles vão jogar futebol de novo hoje. Feitoooooo!!

– Tá, então vamos fazer assim: nesse finde a gente sai…

– … e no próximo a gente combina antes. Ou pelo menos avisa, com respeito, né??

– Desculpa, é que eu tava muito a fim de sair, elas vão pro bar novo que abriu…

– Tá brincando?! Uma água lá custa o preço de um almoço!

– Como você sabe??

– Me disseram.

– Ahã, sei…

– Verdade!

– Tá, vou deixar assim…

– Eu também vou deixar assim, mas só dessa vez hein? E vê se não gasta muito. 

– Ué, eu ganho meu dinheiro.

– Aliás nós vamos ter que conversar sobre as contas da casa, eu tô pagando tudo.

– Tudo não, eu pago o cabeleireiro e também faço mercado… às vezes.

Olhar irônico, mortal.

– Cabeleireiro né… tô falando das contas da casa, que a gente tem que dividir, di-vi-dir.

– Como assim??

– Claro! Você trabalha, eu trabalho, moramos juntos, então a gente divide as contas.

– Mas você ganha mais do que eu!

– Ah sim, muuuito mais… deve dar uns 50 reais de diferença.

– É verdade… tá, outra hora a gente fala disso.

– Já tá avisada,  nesse mês vamos dividir.

– Tá, tá… vamos almoçar que eu vou me atrasar.

– Por falar nisso, o que tem pra comer?

– Nada, vamos pedir alguma coisa.

– De novo? Tá, nem vou discutir.

– Por que você não pensou no almoço? Por que tem que ser eu?

– E por que tem que ser tudo eu?

– Ai chega de discutir. Que tal uma pizza?

Recém-casados – casal 1

Ele a convidou para assistir a um filme e diz a ela: 

– Minha cerejinha do meu bolo. 

– Ah… Meu docinho de coco.

– Eu estava ansioso pra assistir esse filme contigo.

– Eu também.

– Ah, você já conhecia esse filme??

– Não, só queria ver um filme.

– E você tá gostando?

– Sim, muito.

Dois minutos depois.

– Querida, tá dormindo?

– Hã?!

– É, parece que não tá gostando tanto do filme.

– Não, é que eu estou cansada…

– Mas é fim de semana, a gente não fez nada!

– É, na verdade achei que o filme seria diferente…

– Pode dizer que não gostou!

– Você não vai ficar chateado?

– Claro que vou, já fiquei, porque você mente?

– Eu queria te agradar…

– Que sem graça. Eu pensando que tava legal e você fingindo.

– Bem, você nem me perguntou que filme eu queria ver.

– Era uma surpresa!

– Ok, e porque você tinha certeza que eu iria gostar?

– Porque a gente sempre gosta das mesmas coisas.

– Bem, nem sempre.

– Não? Então você finge às vezes?

– Não, não é fingir, é que…

– Entendi, quer me agradar…

– Sim, gosto de ficar contigo.

– Mas afinal, do que você gosta? Estou contigo há tanto tempo e não te conheço. Não consigo te agradar, não sei quando confiar ou desconfiar.

– Eu também estou comigo a tanto tempo e não me conheço. Só quero que você goste de mim.

– Claro que eu gosto, mas não sei mais quem você é, o que você gosta, o que você quer. Já tô ficando cansado.

– Eu também estou cansada de ser criticada, não importa o quanto eu me esforce, parece que nunca sou boa o suficiente.

– Como assim? Você sabe que eu te amo.

– Você ama a realidade ou o seu ideal?

– Você sempre me pareceu ideal, a gente gostava das mesmas coisas, a gente combinava em tudo! O que está acontecendo?

– Sinto muito, eu tentei ser o teu ideal, mas estou vendo que não deu certo.

– Você tentou… então quem é você?

– Aceita me conhecer de verdade? Com respeito? Não vai criticar o tempo todo?

– Vou tentar, vou me jogar nessa aventura louca. E vamos ver no que dá.

– Sim, vamos ver no que vai dar. Boa noite.

Ela foi dormir, e ele continuou vendo o filme. No dia seguinte, foram a um restaurante diferente, que ela sugeriu, e se divertiram.

Desconfiança

– Se olhar pro lado você vai ver!

– Calma, só tenho olhos pra você

– Ãhã, sei, conversa fiada

– Mas como é desconfiada!

 

Esse foi nosso último diálogo

antes de sairmos, ao entardecer

Fico com raiva e me irrito logo

Mas ele é legal, vou reconhecer

 

Às vezes lembro da minha vó

dizendo homem não presta

E me pedia com cara de dó

Nunca nunca case, minha neta…

 

Casei. Igual a ela, e a mãe também.

Assim como elas, eu quero engravidar.

E a avó dizia, menina escute bem

Minha neta, ter filho é se escravizar…

 

E agora, no carro, ao meu lado 

dirigindo sem se dispersar

O meu homem tão amado

em quem não consigo confiar

Confie em mim

Por que você me trata

como se eu fosse um canalha?

 

Fica repetindo jargões tipo

são todos iguais, bla bla bla

 

Me dá uma chance eu vou te mostrar

que eu sou homem e sei amar

 

Quero ter uma família

contigo, se você aceitar

Amor eterno

O amor a nada limita

e a tudo expande 

É melodia que cria

um vácuo que brilha

no meu universo gigante

 

Não importa a linguagem

matemática, musical

auditiva ou visual 

Telepático se comunica

e só quem entende 

pode amar para sempre

 

Quando você for ou eu ir

ainda assim, poderemos sorrir.

E se a liberdade te levar

a liberdade vou amar

e nela me expandir. 

Amor e paz

Não levanto nenhuma bandeira, que não seja de amor, paz e vida.

Aproveito muito bem minha ampulheta.

Lembro todos os dias que eu não sou matéria.

Esqueço todos os dias do meu ego.

Deixo a liberdade livre para brincar nas frestas da responsabilidade.

Ajudo os pequenos a viver e, se puder, os grandes também.

Destravo a comunicação, liberto as palavras presas em cada coração e entrego uma voz a cada um que não conseguiu falar.

Minhas palavras não são minhas, então as deixo voar.

A gratidão é minha moeda mais valiosa.

Ouço as cores do arco-íris, elas falam sobre respeito e amor incondicional.

Vejo a realidade, balança da vida, se sobrepor a qualquer ideologia.

E por fim, darei a obra por concluída e vou escrever o título e a última palavra: amor.