Não perdoo

Depois de tanto tempo

Eu não te perdoo

mas já me entendo

Não te redimo pelo que fez

mas já compreendo

que a maldade teve sua vez

 

Eu não desejo mais te ver

mas quando nos encontrarmos

poderei reconhecer

em ti alguém como eu

Também já errei com alguém

 

Eu lembro e fico esperto

Mas sem mágoa ou dor

Não é pessoal, tá tudo certo

Eu também sou humano

imperfeito

Reencontrar a mãe

Ela era bem pequenina, mas ainda lembrava do dia que sua mãe foi levada embora. Naquele dia, apareceram pessoas com uma longa túnica com capuz, vestiram sua mãe com uma túnica idêntica e os olhos da mãe passaram a olhar para baixo. Então ela foi levada para outra dimensão por um portal que logo se fechou. A filha queria reencontrá-la, mas tinha medo. 

No dia que completou um ano que a mãe tinha ido embora, a filha estava pensando na mãe, com saudade e, caminhando pela sala de casa, encontra uma túnica igual àquela que mãe usou. Cria coragem e veste a túnica. Imediatamente aparece o portal mágico e pessoas saem de lá para levá-la. De repente ela não quer mais ir e tenta tirar a túnica, mas não dá tempo e eles a levam mesmo assim. Ela passa pelo portal e lá adiante enxerga sua mãe. A mãe não a vê. A menina fica olhando para a mãe mas não tem coragem de se aproximar, a mãe parecia estranha com aquela túnica. 

A menina percebe que o portal vai se fechar. Se isso acontecer, ela vai ficar ali para sempre e se desespera. Decide sair, os outros não querem que ela saia, tentam impedi-la. Ela se debate, se solta e sai do portal no último instante. Assustada, jura nunca mais entrar no portal. Ao mesmo tempo, se sente emocionada por ter visto sua mãe novamente. Mesmo distante e tão estranha, já não parecia tão assustadora quanto no dia em que a levaram. 

O tempo passou e ela pensou em atrair a mãe para fora do portal, mas concluiu que era impossível. Então num momento de desespero decidiu encontrar a mãe novamente. Mas como? Não encontrou mais aquela túnica, ela simplesmente desapareceu. Com saudade, pensou: “mãe, eu quero ir contigo”. Então viu o portal aberto à sua frente – sem ela vestir nenhuma túnica! Com muito medo, entrou de novo no portal. Entrou devagar e, dessa vez, caminhou até perto de sua mãe. A mãe levantou os olhos e percebeu a presença da filha. Demonstrou surpresa, como se estivesse reconhecendo a menina, mas a pequena saiu correndo antes de o portal fechar. 

No dia seguinte, a menina se perdeu em seus pensamentos. Que loucura tudo aquilo que estava acontecendo, de repente parecia que encontrar sua mãe era a coisa que ela mais queria, mas não queria ficar presa naquele lugar… e sem encontrar solução, pensou apenas “mãe, sinto sua falta”… e o portal instantaneamente se abriu bem à sua frente. Ela até se assustou, mas a atração foi irresistível, entrou sem pensar, com certa confiança de que conseguiria sair. Logo viu sua mãe e se aproximou bastante dela até ficar a um metro de distância. A mãe a viu, ficou surpresa, tirou o capuz da túnica e sorriu. A filha pôde vê-la melhor e se abraçaram. Nesse momento, todos ao redor baixaram o capuz das túnicas e circularam as duas, felizes. 

A filha pediu para a mãe voltar para casa, mas a mãe respondeu que agora morava ali e não poderia voltar. A menina disse que então ela ficaria ali para sempre… a mãe disse que isso a deixaria triste. A menina entendeu que seria melhor voltar para sua vida, mas teria que se despedir… para sempre. Não havia muito tempo para dúvidas, o portal ia fechar. Nesse momento a mãe disse: espera! E tirou do bolso um pequeno colar, leve, com um pingente em formato de octaedro. Colocou o colar na menina – o pingente ficou pendurado no meio do peito. A mãe então falou: 

– Use isso sempre que quiser falar comigo. Esse pingente vai refletir todas as luzes, elas virão até mim e então eu vou falar com o seu coração. Se eu não responder na hora, não se preocupe, em algum momento vai perceber minha resposta. 

A filha ouviu tudo emocionada.

– Mas preste atenção: quando você crescer, jogue o colar fora, pois vai ser hora de decidir tudo sozinha. 

A menina abraçou ainda uma vez a mãe. 

– Te amo. 

– Eu também te amo.

Virou de costas e saiu do portal para nunca mais voltar. Levava o pingente no peito.

A caverna de Pé frio

Era uma vez Pé frio

Ele vivia numa caverna que o protegia do vento

É que ele era muito friorento

Defendia sua caverna de tudo e todos

 

Sentia um pouco de medo

só saía para caçar 

e juntar coisas para seu lar

e já voltava para dentro

 

Ele era amigo do morcego e do vaga-lume

Um, não conseguiu expulsar

do outro, apreciava as luzes

 

Um dia – que atrevimento 

o gato preto entrou na caverna

correndo atrás do vaga-lume

e deu de cara com o Pé frio

 

Que susto! Disse Pé frio

Que medo! Arrepiou o gato preto

Não conseguiam ver direito

era escuro lá dentro

 

Pé frio foi pra cima

mas os felinos são ágeis

 

Na perseguição

saíram do gelado vão

e Pé frio de repente 

estava correndo no sol quente

 

E cadê o danado do gato? 

Ah! Desistiu por certo

não está por perto

aqui só tem uma raposa

um passarinho, umas formigas

um tatu, uma lebre… 

Que povo todo misturado! 

Desorganizado!

Pé frio sentiu calor

e um vento agradável… 

 

Voltou para sua caverna

pois gostava de lá morar

Mas de vez em quando

a floresta ia visitar

Pois curtiu as duas formas 

de viver e se relacionar

Pipoquinha

Menina pipocante

para quieta um instante

pula pula saracura

rola rola elefante

 

Fala, dança, conta 

causo que encanta

deixa a gente tonta 

e se cai já levanta

 

De nada me adianta

ser velha sisuda

a carranca desanda

 

Ai Deus me acuda

E a menina se manda

brinca alegre a sortuda

Fome

Fome

não tem nome

talvez nem dente

Indigente

lhe dói o abdome

na espera urgente

do nutriente

Conhece os ratos da rua

Enxerga as fases da lua 

Quanta dor a sua…

Ao lembrar do rio da infância

onde pescava em abundância

E da árvore gigante

onde colhia bastante

fruta bem madura

Hoje

acabou a ternura

o rio polui

a árvore caiu

O olhar petrificado

só tem cinza na paisagem

Mas ainda vê a miragem

verde, mata selvagem

água limpa, o fundo exposto

belezas pra todo gosto

E as águas deslizam

e suavizam

o velho rosto

Parede riscada

A parede riscada

ri com a criançada

Sujou? Que nada!

É a parte viva da casa

A mancha de slime

que nunca mais sai

é um portal vibrante

para a infância, o instante

de alegria plena

Olha, escuta: Mãe! Pai!

Vem brincar, vai!

E a razão serena

do adulto responde

Claro, vale a pena!

Quem é que se esconde?

Pais que trabalham

O dia  passa rápido demais

Trabalho compromissado

E de noite somos pais

Mas como estou cansado

 

Mãe mãe mãe

Não quero tomar banho!

Pai vem brincar

Não quero dormir!

 

Quero amor da mãe e do pai

Quero que me olhem sorrindo

Quero vê-los alegres e felizes

Meus pais se divertindo

 

Ter filho não é brincar de boneca

Antes de tudo é total entrega

É abrir um caminho

do coração do filho

até o nosso

O olhar atento 

demanda tempo

Chegar à alma 

exige calma

Mãe acordei!

Mãe acordei! 

e assim começa o dia 

cheio de energia 

Mãe, tô com fome! 

E come, come

 

Mãe, vamos brincar! 

mas eu tenho que trabalhar 

e a gente brinca 

E a mãe se vira, se vira

 

Pai, vamos jogar!

Sim mas só meia hora

Depois eu vou trabalhar

E o pai se vira, se vira

 

Ei, vamos passear!

Estou fazendo o serviço

Tem rebuliço, mas olho o filho

e decido aceitar

 

Depois voltamos e a gente senta

Ufa, 10 minutos para descansar 

Mãe, pai, vamos brincar! 

Aff acho que vou desmaiar…

Sim, vamos lá! A gente brinca 

e se vira, e se vira

Creme de chocolate

Leite, leite condensado e cacau

Creme adoçado de chocolate

Essa bebida quente era normal

lá na casa da mãe, hum, saudade

 

Hoje meu filho fica esperando

preparo a mesma velha receita

Mãe faz rápido tá demorando!

Espere, que vai ficar perfeita

 

Aconchego é esse cheiro gostoso

no vapor daquela panelinha 

Com sabor encorpado e cremoso

 

Então ele come na cozinha 

Nutrido de cuidado amoroso

Sorriso e lambuzo na carinha

Tempero caseiro

O feijão bem cozido 

na panela no fogão 

faz crescer o menino 

com saúde, fortão

 

a comida caseira

traz o colo da mãe 

a infância aventureira

domingo na vó

 

De tarde na grama

o jogo livre de bola

 de noite o pijama 

e uma saída pra rua 

 

pela porta 

para olhar a lua

que o imenso céu comporta

Depois, boa noite para quem se ama