Depois de alguns anos, visitei a república onde morei quando era estudante. Será que ainda havia algum conhecido morando lá, ou todos já teriam concluído seus cursos?
Logo na entrada algo estava diferente. No amplo hall da casa, com pé direito alto e iluminação limitada por pequenas janelas antigas, vi dois cartazes, um de cada lado do hall, o mais distantes possível um do outro. Num estava escrito: “precisamos das chaves e não podemos pagar”, e do outro lado, o cartaz dizia: “é injusto uns pagarem por todos”.
Enquanto eu estava parada, chegou um rapaz.
– Oi, tudo bem?
– Oi, eu disse. Eu morei aqui há alguns anos, vim visitar.
– Legal, fique à vontade, se precisar de alguma coisa é só falar.
– Pode me explicar o que são esses cartazes?
– Ah, é a nova forma de fazer assembleias.
Lembro de quando fazíamos assembleias, todos os moradores reunidos ali no hall, nas escadas, com inscrição para falar em ordem organizada e votação ao final.
– Como assim, cadê a assembleia?
– É que o pessoal evita se reunir porque sempre dá briga. A república está dividida, uns são totalmente miseráveis e outros são pobres. Mas os pobres conseguem se alimentar bem e sobram uns centavos no final do mês. Acontece que semana passada a fechadura da entrada estragou e tivemos de trocar a chave. Cada morador precisa de uma cópia nova, mas não temos dinheiro para fazer as cópias. Daí o grupo dos miseráveis, que chama o outro grupo de “rico”, exige que este pague as cópias de todos.
– Mas não daria para deixar sempre uma chave em casa e qualquer morador que estiver em casa abre a porta para os outros?
– Não dá, os dois grupos não se falam, ninguém de um grupo abriria a porta para alguém do outro.
– Ah… e você de qual grupo é?
– Nenhum dos dois. Na realidade sou igual a todos, todo mundo aqui está na mesma, só eles que não veem isso. Eu entro quieto e saio calado…
– Mas você tem chave?
– Não, eu passo pela janela da cozinha, que não tem tranca.