– Mas não quero atrapalhar, o senhor vai sair, eu cheguei muito tarde, posso voltar outro dia.
– Não, por favor, vamos fazer esse orçamento agora, com todos os detalhes. Assim podemos começar essa reforma semana que vem. Já estamos morando aqui há quinze anos, enjoei dessa cor.
– Quinze anos já? Eu lembro quando vocês compraram esse apartamento. E as crianças?
– Estão bem, hoje vão dormir na minha sogra.
– Obrigado. Bem, vou fazer o orçamento rápido.
– Não se preocupe – e, falando um pouco baixo – ainda vai demorar uma hora para minha esposa se arrumar. Ela já escolheu o vestido, mas ainda falta o sapato, a bolsa, a maquiagem e o cabelo.
– Ah… entendi.
Ele ainda se irritava um pouco com a demora, mesmo depois de tantos anos. Na verdade ele já estava resignado, sua bela esposa adorava se arrumar – e ele adorava sair com aquela mulher deslumbrante que chamava a atenção de todos. Ela seria perfeita se pudesse ficar tão linda em apenas quinze minutos. E de supetão ela entrou na sala.
– Querido… Ah, boa tarde, como vai o senhor?
– Tudo bem, como vai, desculpe chegar quase de noite…
– Não tem problema, fique à vontade. Querido, só queria sua opinião, será que fica melhor esse sapato do pé direito – e ela se virou como uma modelo para que ele pudesse olhar o sapato por todos os ângulos – ou essa sandália do pé esquerdo? E repetiu os movimentos ágeis.
– Ah, hã… o sapato da esquerda.
– Você quis dizer sandália?
– Ah, sim, isso mesmo.
– Mas acho que eu gostei mais do sapato… a sandália ficaria melhor com a outra bolsa…
– Sim, sim querida, você tem razão – nesse momento ele percebeu que ela segurava uma bolsa.
– O sapato? Você também acha?
– Sim, claro, também acho.
– Ok, obrigada!
E saiu, apressada e elegante. A presença perfumada dela se fez notar ainda algumas vezes na sala, para pedir opinião sobre o cabelo, a maquiagem e o brinco. Até o pintor, convidado a se manifestar, sorrindo amigavelmente, opinou sobre o brinco.
– Bem, então vou contratar toda a pintura e a reforma do gesso.
– Perfeito, fechado! Começo segunda-feira. E… o senhor tinha razão, deu tempo de fazer todo o orçamento.
O marido olhou para o relógio e comentou baixinho.
– Agora ela já deve estar pronta.
E logo depois ela surgiu enfim toda arrumada, desinibida e tão deslumbrante quanto há quinze anos.
– Então, como estou?
O pintor achou mais oportuno permanecer quieto, e o marido respondeu:
– Lindíssima como sempre, meu amor.
E acabaram saindo do apartamento todos juntos. O casal foi a um restaurante e o pintor, para casa. Este entrou no seu carro pensando sobre como as mulheres, sempre tão enigmáticas, se tornam perfeitamente previsíveis depois de alguns anos de casamento.