Você foi e eu fiquei

Estarrecido, paralisado

pela doença que te levou

Você foi e eu fiquei

mas parece que ainda estamos

lado a lado

Você foi mesmo?

não creio

 

E até hoje fico assim, meio

soterrado

parado 

estagnado

enterrado ao teu lado

 

Toco na raiz

da morte

que se nutre de húmus

E quando menos espero

algo me puxa para cima 

é um broto de vida 

que procura luz

Condenado

Arrastando o peso

atado aos pés

Não posso fugir

nem parar

tenho que seguir

 

Me sinto preso

Ao revés

queria sorrir

amar, cantar

Mas para onde ir?

 

Uma forca, fim da linha?

Ou um tiro na espinha

vai atravessar?

Vou sentar

e eletrocutar?

 

Se pudesse pagar

de outro modo que não com a vida

 

Ainda assim seria pagar

uma dívida infinita

 

Como se mede o subjetivo?

Quando termina minha dívida??

 

O que está acontecendo?

Todos estão se reunindo

Estou vendo 

e ouvindo

Eles começam a me olhar

 

Decidimos aceitar

que dor não tem pagamento

importa é evitar

propagar mais sofrimento

 

Só caminha a contento

quem para de se voltar

Você morreu

Como eu não percebi

você definhando

e eu, com coisas vis

me preocupando

 

Tudo é sem relevo

quando um amado morre

Me tornei só peso

Na vida disforme

 

É injusto ir embora

num destino cediço

Não era tua hora!

 

E quem cuida disso??

Impotente agora

estou submisso

A morte beija o rosto

Quando a morte me beijou o rosto

Eu finalmente beijei a vida

Tal qual Judas com remorso

pois viveu de forma traída

 

Estudei pra me gabar

Trabalhei para ganhar

Casei sem nem amar

Pari sem querer cuidar

 

Vida rica de esnobar

vantagens esmolar

e vem a morte imolar

 

Isso – absurdo! – me dá paz

Mata o desamor sagaz

Depois de tanto me enganar