Mergulhar

Não sei ficar boiando

Gosto de mergulhar

Não sei pegar leve

E mesmo que pese

me jogo no mundo

como um moribundo

 

E se eu morresse hoje?

Não fiz nada! Ojeriza

de mim mesma

Lerda que nem lesma

Dei tanto tempo a tudo

que não interessa

 

Só nadei com pressa

e sem rumo 

Agora afundo

mas no prumo

até que o oxigênio deixe

Ou uso equipamento de mergulho

Ou aprendo a respirar como peixe

Construí um império

Eu construí um império

Com muito sucesso

Resido num paraíso

Tenho tudo em abundância

Satisfação, orgulho e ganância

 

Minha construção é vazia

meu trabalho é sem sentido

Ganho bem pra prejudicar 

quem não é meu amigo

e nem inimigo

 

Eu sorrindo sabendo

que quem sorri pra mim 

está sofrendo

Todo mundo mantendo

aparências sem fim

 

Sucumbi ao peso 

do que construí

O que vou legar?

Algo pra carregar?

 

Chega, parei aqui.

Isso vai ter fim.

 

Vou mudar o império

Isso é sério

Porque de velho

basta eu pra ranzinzar

 

Quem inova se arrisca

a andar numa pista

que se avista no ar

Como a águia

Como águia

voo pro alto

o olhar agudo

vê de assalto

 

Como águia

busco a caça

levo pro ninho

amor e graça

 

Como águia

à meia idade

o ninho vazio

maturidade

 

Como a águia

sei cuidar e caçar

sei quando voar

e a hora de pousar

Recebi tanto

Do pai e da mãe a vida

De pessoas queridas

atenção e olhar 

Dos cuidadores

condições de crescer

De professores

aprendi a estudar

De mercadores

tantas coisas para comprar

Dos mais velhos

alguma rabugice

e muita sabedoria

Das pessoas más

injustiças e crueldades

e, logo, oportunidades

de gerar mais paz

Do país

um chão pra pisar

e escola pra estudar

Recebi tanto sempre

que me envergonho 

de ficar descontente

ou indolente

Eu quero compensar

No fundo da violência

Eu me descontrolo, enfureço, perco o controle sobre mim

Não me conheço, humano ou monstro?

Amo tanto a todos, mas quando me perco, o monstro… 

Não quero fazer mal, mas não basta o querer 

tenho medo do que possa acontecer

 

Eu não sou malvado 

Donde vem esse castigo?

Eu sei que é bem antigo 

pudesse voltar para o passado 

consertar o quebrado 

reviver quem foi morto 

reescrever o destino torto

 

Espelho da minha vida 

vou curar essa ferida 

olhar toda a dor e desgosto 

Não é uma criança pequenina 

quem encara a força da vida

e sim o adulto poderoso

 

Eu vejo o sangue derramado 

lá no desconhecido passado 

ensandecendo meus neurônios 

Respiro no meu coração 

peço perdão 

sem esperar ser perdoado

só me revelo envergonhado

mas não posso mudar o passado

 

E agora entendo com clareza 

a raiva é a fraqueza 

de quem se sente miudinho

com uma dor maior que tudo

jogando sobre o mundo 

o que não pode carregar sozinho

 

Assim a violência chegou aqui 

mas não vai mais prosseguir

E a dor pode terminar 

porque eu posso renunciar 

E escolher viver e renovar

Vida é experiência infinita 

laboratório a céu aberto

 

Agora escolho

o amor eu professo

e me alegro pacificado

vibro com o sucesso 

não importa de que lado 

a todos acolho

de modo indiscriminado 

 

Cabe a vida inteira 

num dia consagrado

pelo peso de um fato 

que atravessa séculos 

quase intacto 

Até que é renovado 

em nova geometria do bem

antes impossível 

inimaginável 

É quando o ser

mais e mais amável 

na benevolência tem 

boa companhia

 

Estar inteiro na vida

é deixar ir o que foi um dia

e deixar vir o que não veio ainda

Refugiado

Sem terra, segurança ou paz

fugiu, lutou, sobreviveu

sozinho ou junto aos seus

 

Nunca deixou de pensar 

nos que ficaram para trás 

 

Memórias, medos e dores

como a dor da fome

que consome

a chance de sonhar

 

Com o raciocínio aguçado

olhar de presa ou caçador

modo sobrevivência ativado

vive o corajoso lutador

Você morreu

Como eu não percebi

você definhando

e eu, com coisas vis

me preocupando

 

Tudo é sem relevo

quando um amado morre

Me tornei só peso

Na vida disforme

 

É injusto ir embora

num destino cediço

Não era tua hora!

 

E quem cuida disso??

Impotente agora

estou submisso