Andar

Um homem decidiu caminhar

sem saber onde ia chegar

dias e dias e para não cansar

escolheu uma estrada plana para pisar

 

E pisava sempre no mesmo lugar 

dando voltas em círculos

para não se arriscar

 

Tanto pisou que a terra afundou e ficou difícil andar

Bem, tão difícil estava que ele saiu, enfim.

Mas por onde ir? Escolheu qualquer lado e seguiu

Encontrou pessoas, lugares

De uns gostou, outros, nem tanto

Caminhado conheceu amores, altares

igrejas, bares, riso e pranto

 

mas dali também saiu

porque logo perdeu o encanto

Ali na vila também andavam

girando em círculos pisados

 

e seguiu caminhando

e entrou num pântano

o que estou fazendo aqui?

Mas viu tanta planta, tanta vida

árvore, inseto, sapo e sagui

Viu belezas abundantes 

onde ninguém esteve antes

e depois de realmente curtir

decidiu seguir caminhando

 

A essa altura

já tinha vontade de chegar

em algum lugar

Afinal, pra que tanto andar?

Estranhamente ali perto 

havia um grande deserto

e ele começou a adentrar

 

E pensou: escolhi o rumo errado

mas não voltarei pro outro lado

Vou explorar essa areia

será que tem alguma sereia?

 

Mais uns passos e umas conchas no chão

e ao levantar o olhar 

deu de cara com o mar

aquela imensidão 

do céu até o chão

num azul de suspirar

A brisa refrescante da praia

talvez daqui eu nunca saia

esse é o meu lugar

 

Com o tempo, porém,

começou a cansar 

Que fazer? Que tal caminhar?

Seguiu uma estrada estreita

 

Do lado, o deserto

o mar ali perto

do outro lado o pântano

 

Sabia o que encontraria

em cada lugar que via

E pela primeira vez parou

Bem parado

Não tinha mais nenhum lado

a explorar

Parou de andar

Então voltou para a vila 

pra ter onde morar

e vieram lhe perguntar

onde esteve e como era lá?

E ele passou a explicar… 

Se eu apenas

Se eu apenas me sentar

Sem orar

Sem chorar

Sem pensar

Sem querer nem esquecer

Se eu apenas respirar 

espirrar

Pirar

Seu eu apenas viver

Sem remoer

Sem adoecer

Se eu apenas ser

Ou for

Ou sido

Parar

Ou fico ou sigo

Se eu apenas

Largar o abrigo

Se eu apenas abrigar 

um amigo

Se eu apenas respirar

e expirar

Inspiro

Maresia

Quando o gosto da maresia

me faz esquecer do corpo

Quando a leveza do céu

me levanta tal qual véu

balançando absorto

sob a brisa 

minha alma se alisa

e a paz abriga

Não busco mais de outro jeito

E assim minha saga finda

Assim que a vida fica bonita

Tudo está e assim fica

Poema doido

Posso ver e sentir tudo se abrir 

E eu vejo o espaço sideral

O dente e seu canal

A raiz do porvir

A árvore monumental

 

Posso sentir atrás da parede

A dormir toda a gente

Por aí

Eu saio a expandir

Sinto a dor e o êxtase

No muro eu acesso

 a verdade

o abscesso

o que infiltra e o que emerge

e o que submerge

Tal um iceberg imenso

quando vou, afundo

no contrassenso do mundo 

E eis o que move

no fundo

de perto

O resto é sonho, ilusão

só protesto vão

Tresloucado caos

Não posso evitar

Tresloucado caos 

surge abundante

gigante impensante

rápido a girar

toma corpo e expande

mas é um infante

Hahaha que ironia

comanda a noite e o dia

é poderoso e afoito

mas crec! como biscoito

Mesmo esfarelado 

que bagunçado! 

Gigante caos indomável

eu me rendo 

Mas fique aí

só de longe te contemplo

e permaneço amável

Indescritível

Se escolhe tanta palavra

para descrever uma vivência

Para quê? Isso só descalavra

o profundo da experiência

 

O que move é indescritível

Palavrear o indizível

é ficar na banheira leviana

pensando que é a fossa das Marianas

Cavalgada surreal

Havia um homem cavalgando

num cavalo veloz e forte

com longas crinas esvoaçando

O homem olhava à frente

o cavalo seguia contente

o vento refrescava o rosto 

O cavalo saltou um obstáculo

aterrissou com algum esforço 

e retomaram velocidade

O cavalo era alado e começou a voar

o cavaleiro encantado passou a gargalhar

de felicidade e espanto de onde podiam chegar

subiram no ar até pairar

no vácuo espacial

e o cavaleiro que não tinha asas

também pairava no ar!

olhou nos olhos do cavalo

e aproximaram as frontes

até encostar 

Então abriu-se um portal

e o cavaleiro foi pro lado de lá

Viu o passado inteiro

e quis voltar

com medo de ficar

de só repetir e tudo nunca passar

Mas teve que olhar, pisar e tocar

Chegou a chorar

Já não podia evitar

a dor

Mesmo triste

abraçou a muitos

Nem sabia que estava se despedindo

Porque aos poucos tudo foi sumindo

Não podia entender 

e menos ainda explicar

Então no clarão de um amanhecer

Viu seu cavalo o esperando

Disposto e vigoroso

Se preparando para decolar

O cavaleiro sem nem pensar

saltou no lombo

e atravessaram o portal

No vácuo de novo

o cavaleiro estava tonto 

atordoado até se situar

Subiram mais e mais alto

até se distanciar

de tudo o que se pode ver

e pararam num não lugar

Parecia que passaram séculos 

E os dois a brilhar

de suave contentamento

Depois, resolveram voltar

descendo rápido 

até cavalgar pesado 

velozes e fortes

O cavaleiro de sorte

parava pra conversar

com quem ocorresse encontrar

sem nunca pretender ficar

Só sabiam que um cavalo e um cavaleiro

precisam cavalgar

Caminhos

Quando não se sabe para onde ir

há muitos caminhos

dar voltas é uma opção

ir para frente ou para trás 

enfrentar na contramão

ou seguir o fluxo em paz.

 

Com alguma técnica 

talvez até voar

Mas sabe aterrissar?

Isso é importante!

 

Só quem não sabe pra onde ir

Do lugar comum pode sair

Respirar

Cada vez que eu respiro

ainda falta o ar

mas eu suspiro

como é bom respirar

 

Eu adoecendo

tal qual cimento

endurecendo

Pode quebrar

ou respira e se expande

ou vai desabar

 

Tal casa de palha

que quer se passar

por algo que o valha

mas o lobo veio soprar

 

O que parecia não era

o que existia não há mais

O vento forte reitera

deixe tudo pra trás

Então venço essa fera

e sigo em paz