E ele saltou com toda a força para chegar na outra borda, mas ao aterrissar, algo deu errado, e ele escorregou, e não havia onde segurar, e um frio arrepiante de medo e susto percorreu o corpo. Ele não estava preparado para aquele tombo.
Havia rememorado esse momento incontáveis vezes. Agora, estava naquele abismo.
Era uma cratera no chão, no meio daquela construção abandonada perto de sua casa, ele estava no meio daquela obra agora, para sempre? Já havia chamado, gritado, chorado. Parecia que ninguém podia ouvi-lo. E sua perna doendo e inchando cada vez mais, com diversos esfolados por todos os lados, que ainda doíam.
Dessa vez ele estava sozinho, nem o seu cachorro foi junto. Não havia ninguém para buscar ajuda. Gostaria de ter um celular, um drone. E se alguém felizmente o encontrasse ali, ainda era certo que ficaria de castigo por ter ido brincar na obra abandonada. Era uma bagunça de ferros e concretos pra todo lado, estava do mesmo jeito desde que ele era bem pequenininho. Ele nunca tinha entrado lá, só olhava da rua.
O que poderia haver de tão terrível, além de um grande buraco para cair dentro? Seus pais faziam uma cara de horror quando ele pedia para ir olhar a obra. “Lá é muito perigoso”. Só diziam isso. Ele sentia que havia mais para ser dito, mas ninguém dizia.
Nesse momento, ele sentiu um leve tremor no chão. Que estranho, mini terremoto?
Então o chão e tudo começou a chacoalhar intensamente, a poeira levantou e pequenos pedregulhos caíram sobre ele. Num milésimo de segundo, abriu-se um buraco sob seu corpo e ele despencou, não deu nem tempo de sentir frio na barriga.
Poff! Imóvel, tentou olhar ao redor no meio da poeira. Estava vivo, sua perna continuava doendo, mas no mais, parecia bem.
– Quem é o novato?
Ele tomou o maior susto da sua vida.
– Não sei… olha, é um garoto!
– O quê? Esses desgraçados não tem limites!! Estão contratando adolescentes?? Espero que pelo menos tenham pago o teu salário. Como é o teu nome?
Ficou paralisado. Havia uns dez homens em volta dele, com roupas e capacetes de obra, todos muito curiosos, e alguns pareciam um pouco machucados, assim como ele mesmo.
– Será que ele sabe falar?
– Dá um tempo, ele tá com medo.
– Traz uma água pro menino.
– Não tem, eles não trocam aquele galão faz tempo, lembra?
– É mesmo.
– Ele está sem equipamento de segurança.
– Mas você é chato mesmo né!! Não vê que ninguém te ouve? Ninguém usa esse monte de máscara, capacete, trava-queda e blá blá blá…
– Se fizessem tudo certo a gente podia estar vivo seu idiota!
– KKKK ele já tá pirado!
– Ah ah! Carlos você é louco mesmo.
– Sou eu o louco?? Só vocês que não veem…
– Tá, parem, parem, deixem disso. Olhem a cara do menino, coitado, apavorado. E ele tá machucado. Menino, faz tempo que você tá aqui?
Ele conseguiu falar, tremendo:
– Não sei…
– É igual a nós, parece que faz anos, o tempo não passa.
Então ele ouviu uma voz ao longe chamando seu nome:
– Joãoo!! Joãooo!!!
Ele disse:
– Vocês ouviram isso?
– Joããoooo!!
– Eu ouvi! É o seu nome?
– Sim! Eu sou João!
– Ouviram o quê?
– Não ouvi nada.
– Chiu! Escuta!
João ouviu latidos de cães e novamente pessoas chamando seu nome. Tentou gritar, mas se sentia muito fraco.
– Vieram procurar o menino. Vão resgatar a gente também! Estamos salvos! Ele tá aqui!! Nós estamos aquiii!!!
E todos começaram a gritar, numa euforia indescritível – exceto aquele homem louco, que tinha dito que todos estão mortos. Nesse momento, com um sorriso, o louco se abaixou do lado de João e falou baixinho, para só João ouvir:
– Quem sabe agora eles vão entender e vou conseguir tirar meus colegas daqui. Obrigado por ter vindo. Boa sorte, garoto!
E João sentiu lambidas no seu rosto. Um enorme cachorro marrom dava latidos altos e abanava muito o rabo comprido.
– Aqui, ele está aqui! Está vivo!!
E João sentiu que alguém falava com ele, mas não tinha forças para responder, só piscou os olhos e mexeu os dedos, como lhe pediram. E via seus novos amigos pedindo para serem levados, mas os bombeiros só prestavam atenção nele, João. Então uma médica com roupas brancas se aproximou deles e disse:
– Vocês adultos, venham todos comigo.
João viu aqueles homens caminhando junto com a médica, e ficou feliz por eles.
No quarto do hospital, João finalmente pôde ver sua mãe e seu pai. Estavam tão felizes por ele estar vivo que nem xingaram. E resolveu perguntar pelos outros homens.
– Que homens? Você foi com algum amigo até a obra?
– Não mãe, aqueles homens que estavam morando na obra.
– Ah, tem mendigos morando lá?
– Não pai!! Eu estou falando daqueles dez trabalhadores da obra, um deles se chama Carlos, que manda todo mundo usar capacete e essas coisas.
João viu seu pai e sua mãe fazerem a mesma cara de horror que faziam quando João insistia para brincar na obra, mas dessa vez também ficaram pálidos.
– Onde eles estão, eles acompanharam uma médica, vieram para este hospital?
– Hããã…. Provavelmente não… disse o pai.
– Mas que bom que você está bem né filho! Logo você vai sair do hospital e então todos os seus amigos virão te visitar, estavam todos preocupados…
João nem ouviu o resto da frase. Não entendia porque ninguém nunca tinha falado daqueles homens da obra. Estava muito feliz porque agora eram todos seus amigos. Não perguntou mais nada e se resignou, afinal, nunca entendeu muito bem os adultos.