Reencontrar a mãe

Ela era bem pequenina, mas ainda lembrava do dia que sua mãe foi levada embora. Naquele dia, apareceram pessoas com uma longa túnica com capuz, vestiram sua mãe com uma túnica idêntica e os olhos da mãe passaram a olhar para baixo. Então ela foi levada para outra dimensão por um portal que logo se fechou. A filha queria reencontrá-la, mas tinha medo. 

No dia que completou um ano que a mãe tinha ido embora, a filha estava pensando na mãe, com saudade e, caminhando pela sala de casa, encontra uma túnica igual àquela que mãe usou. Cria coragem e veste a túnica. Imediatamente aparece o portal mágico e pessoas saem de lá para levá-la. De repente ela não quer mais ir e tenta tirar a túnica, mas não dá tempo e eles a levam mesmo assim. Ela passa pelo portal e lá adiante enxerga sua mãe. A mãe não a vê. A menina fica olhando para a mãe mas não tem coragem de se aproximar, a mãe parecia estranha com aquela túnica. 

A menina percebe que o portal vai se fechar. Se isso acontecer, ela vai ficar ali para sempre e se desespera. Decide sair, os outros não querem que ela saia, tentam impedi-la. Ela se debate, se solta e sai do portal no último instante. Assustada, jura nunca mais entrar no portal. Ao mesmo tempo, se sente emocionada por ter visto sua mãe novamente. Mesmo distante e tão estranha, já não parecia tão assustadora quanto no dia em que a levaram. 

O tempo passou e ela pensou em atrair a mãe para fora do portal, mas concluiu que era impossível. Então num momento de desespero decidiu encontrar a mãe novamente. Mas como? Não encontrou mais aquela túnica, ela simplesmente desapareceu. Com saudade, pensou: “mãe, eu quero ir contigo”. Então viu o portal aberto à sua frente – sem ela vestir nenhuma túnica! Com muito medo, entrou de novo no portal. Entrou devagar e, dessa vez, caminhou até perto de sua mãe. A mãe levantou os olhos e percebeu a presença da filha. Demonstrou surpresa, como se estivesse reconhecendo a menina, mas a pequena saiu correndo antes de o portal fechar. 

No dia seguinte, a menina se perdeu em seus pensamentos. Que loucura tudo aquilo que estava acontecendo, de repente parecia que encontrar sua mãe era a coisa que ela mais queria, mas não queria ficar presa naquele lugar… e sem encontrar solução, pensou apenas “mãe, sinto sua falta”… e o portal instantaneamente se abriu bem à sua frente. Ela até se assustou, mas a atração foi irresistível, entrou sem pensar, com certa confiança de que conseguiria sair. Logo viu sua mãe e se aproximou bastante dela até ficar a um metro de distância. A mãe a viu, ficou surpresa, tirou o capuz da túnica e sorriu. A filha pôde vê-la melhor e se abraçaram. Nesse momento, todos ao redor baixaram o capuz das túnicas e circularam as duas, felizes. 

A filha pediu para a mãe voltar para casa, mas a mãe respondeu que agora morava ali e não poderia voltar. A menina disse que então ela ficaria ali para sempre… a mãe disse que isso a deixaria triste. A menina entendeu que seria melhor voltar para sua vida, mas teria que se despedir… para sempre. Não havia muito tempo para dúvidas, o portal ia fechar. Nesse momento a mãe disse: espera! E tirou do bolso um pequeno colar, leve, com um pingente em formato de octaedro. Colocou o colar na menina – o pingente ficou pendurado no meio do peito. A mãe então falou: 

– Use isso sempre que quiser falar comigo. Esse pingente vai refletir todas as luzes, elas virão até mim e então eu vou falar com o seu coração. Se eu não responder na hora, não se preocupe, em algum momento vai perceber minha resposta. 

A filha ouviu tudo emocionada.

– Mas preste atenção: quando você crescer, jogue o colar fora, pois vai ser hora de decidir tudo sozinha. 

A menina abraçou ainda uma vez a mãe. 

– Te amo. 

– Eu também te amo.

Virou de costas e saiu do portal para nunca mais voltar. Levava o pingente no peito.

O topo mais alto

Dois amigos saíram em uma grande aventura. Ícaro sonhava voar, enquanto Topo sonhava escalar e chegar ao pico das montanhas altas que circundam a cidade. Aliás, o seu apelido “Topo” vinha daí, ele sempre apontava uma montanha e dizia: como eu gostaria de subir no topo… 

– Nunca vamos conseguir – disse Topo, enquanto caminhava pela estrada ao lado de Ícaro. 

– Ah, deixa disso, pelo menos dá pra brincar de sentir o vento – disse Ícaro, fechando os olhos – Estou voando! – Abriu os braços e começou a correr.

Topo fez o mesmo, de olhos abertos, mas não achou nenhuma graça.

Ícaro gostou tanto que esqueceu de abrir os olhos e tropeçou numa pedra. Pof! no chão.

– Ai!

Ralou o joelho….. Mas achou uma linda pedra preciosa.

– Olha, ralei o joelho numa ametista! Vamos vender?

– Quem disse que é ametista? Quem vai comprar isso? Ah, vamos embora, deixa essa pedra aí.

– Não, vou levar na lojinha Vende-vende.

– A loja daquele pilantra?

– Pilantra? Deixa o cara em paz… Ele compra e vende de tudo! Vamos!

– Ah, tá bom… 

– Se foram os dois levando aquela pedra.

Não valia tanto quanto Ícaro esperava, mas deu pra comprar um curativo pro joelho e um brinquedo bem legal: uma pipa gigante em forma de avião, a maior que já viram!

Topo não gostou tanto da pipa. Era grande, colorida demais e desengonçada. E ele estava com vergonha de andar na rua carregando aquele troço, todo mundo ficava olhando, alguns riam. Ícaro por sua vez, estava tão contente que sorria de volta para as pessoas que se divertiam com a cena engraçada.

– Onde você quer empinar isso? Perguntou Topo.

– No campo de futebol.

Caminharam até o campo, Ícaro caminhava desenrolando a longa rabiola, estava ansioso, sentia que seria fantástico. Topo sentou-se embaixo da goleira.

– Você não vem?

– Talvez depois.

“Dane-se”, pensou Ícaro, “eu vou empinar isso sozinho! Uau, é enorme mesmo!!”

O vento estava um pouco forte, mas Ícaro achou perfeito para empinar aquela pipa especial.

– Olha só Topo, o avião vai decolar!

Então Ícaro começou a correr e a pipa foi tragada por uma rajada de vento e começou a subir. 

Topo ficou lá na goleira. No início, Topo olhava desinteressado; logo depois ficou mais atento e em mais uns instantes, estava apavorado. Levantou e foi correndo ao encontro de Ícaro no meio do campo. 

– Segura Ícaro, segura! Estou chegando!

– Ai minha nossa… socorrooo!!!

A pipa puxava com tanta força que quase levantava Ícaro do chão. Toco chegou rápido e grudou na corda com toda a força, enrolou duas vezes em cada mão e cravou os pés no chão, para garantir que a pipa não levasse Ícaro pelos ares!

– Ufa… – disseram os dois.

Mal respiraram aliviados, veio uma nova rajada de vento. Parecia um temporal se armando. Os dois se desequilibraram e sentiram os pés flutuando, o vento no rosto… 

– Uau!! Estamos voando!!!!

Ícaro nem se deu conta do perigo de sair voando com uma pipa, estava radiante! Era seu grande sonho sendo realizado!!

Topo, ao contrário, percebeu imediatamente a gravidade da situação e, em pânico, não conseguia nem falar.

O temporal se formava rapidamente e o vento não dava trégua. A pipa-avião levava os dois para o alto e para longe do campo de futebol. Eles estavam firmemente agarrados na corda. 

Topo tentava descobrir onde ele estava, mas girava tanto com o vento que era impossível. Só conseguiu ver uma montanha muito alta se aproximando… rapidamente…

– Cuidaaaado! Wooow!! – Foi o que Topo conseguiu falar.

Sentiram um sacudão intenso no corpo. Ao abrir os olhos, estavam pendurados, enrolados na corda, a corda enrolada em galhos… a uma altura de apenas um metro do chão!! 

– Estamos salvos! Wow, isso foi…. Incrível!! Nós voamos de verdade!! Uhuuuu!!!

Ícaro estava em êxtase.

Topo ainda estava em choque. Ele não acreditava que estava em terra firme e tinha sobrevivido. Começou a se desenrolar, se soltou e caiu no chão, as mãos estavam um pouco doloridas de tanto segurar a corda, mas estava tudo bem. Olhou ao redor, levantou-se de pé para ver melhor.

– Ícaro, olha só…

Poff!! Ícaro também caiu no chão, com pipa e tudo.

– Olha o quê?

Topo perdeu a paciência.

– Mas você é um avoado mesmo! Olha!!

Pegou os braços do amigo, que estava todo enrolado na corda e o fez ficar de pé.

– Uau….. 

A vista era incrível, podiam ver a cidade toda, as cidades vizinhas e o pico das outras montanhas. Topo abriu os braços, olhou para o alto e soltou um grito:

– Eu estou na montanha mais altaaa!!!!

Ícaro fechou os olhos para sentir o vento. Estava um pouco frio, mas ele estava adorando.

Topo, ainda surpreso, falou:

– Nós voamos de verdade numa pipa!!

E caíram na risada, passando as mãos pelo ombro e olhando juntos a paisagem.  O temporal se afastou, já tinha menos vento, e começavam a cair as primeiras gotas de chuva. Mas não chegava a atrapalhar a vista incrível. começaram a procurar suas casas, mas não conseguiram ver direito, estavam tão pequenas. O campo de futebol parecia uma pequena folha de papel verde caída no chão da cidade, lá embaixo. 

– Ícaro, como vamos voltar? 

– Hum, pois é… se eu tivesse meu celular… Quem sabe você me ajuda a desenrolar primeiro, deu um nó aqui…

– Deixa eu te ajudar, eu me desenrolei num instante – disse Topo, indo ajudar Ícaro.

– Ah, tá se achando, só porque subiu no topo da montanha mais alta! 

– É verdade. E você, ventinho, finalmente conseguiu voar. Ventinho, hehehe, agora esse é o seu apelido, Ventinho!!

– Ah, não!

– Vou tirar uma foto da gente aqui pra mostrar pra todo mundo.

– Você trouxe seu o celular?

– Claro!

– Ufa! Tenho certeza que vou ficar duas semanas sem jogar, de castigo, mas isso valeu a pena!!

E os dois amigos mandaram as fotos naquele momento para os pais e todos os amigos, aproveitando um pouco mais a vista até que alguém viesse buscá-los.

Um grande cavaleiro

Um jovem queria se tornar um grande cavaleiro, desses que tem armadura e espada e vencem grandes batalhas. Saiu de casa montando seu cavalo e seguiu os cavaleiros que iam para uma missão. Os cavaleiros explicaram que estavam indo para o centro de treinamento de cavaleiros, numa cidade distante. O jovem poderia ir junto com eles, mas teria que fazer algumas provas. Se ele passasse nas provas, ele seria admitido como um cavaleiro e poderia ficar com eles para fazer o treinamento. 

Eles precisavam passar por uma pequena cidade que ficava distante. Todos os cavaleiros tinham armadura e espada, mas o jovem foi apenas com suas roupas do corpo e seu cavalo. Andaram dias e dias e o jovem já estava se sentindo muito cansado, qando chegaram a uma pequena cidade. No dia anterior, houve uma grande enchente e a ponte da entrada da cidade estava destruída, foi levada pelas águas. Então os cavaleiros, na beira do rio, não tiveram dúvida: despiram suas armaduras e largaram as espadas, amarraram seus cavalos para pastarem a grama verde do local e se lançaram no rio, atravessando o rio nadando contra a correnteza. O líder foi o primeiro cavaleiro que pulou, e o último, foi o cavaleiro ancião. Antes de o ancião pular, ele olhou para o jovem e percebeu que o jovem estava com medo. Então, tirou do bolso um balão vazio, uma simples bexiga de festa de aniversário e, sem dizer nada, entregou ao jovem. Então o ancião se virou e seguiu atravessando o rio a nado.

O jovem se viu sozinho com aquele balão na mão. Pensou um pouco, encheu o balão de ar, segurou o balão com os dentes e entrou no rio. Ele sabia nadar um pouco, mas não muito bem. Nadou forte contra a correnteza e conseguiu chegar ao outro lado do rio. Toda vez que ele ficava cansado demais e começava a afundar, o balão, firme entre seus dentes, mantinha sua cabeça para fora da água. 

Chegando do outro lado do rio, todos os cavaleiros estavam olhando para ele e festejaram quando ele saiu da água. Ele ficou surpreso e contente com a recepção calorosa. O ancião se aproximou dele e disse: “muito bem meu jovem, você soube usar seu corpo com coragem e sua mente com habilidade”. O cavaleiro líder então disse: “Você está preparado para lançar seu corpo às lutas da vida de cavaleiro! E por isso vai receber uma proteção importante, você vai receber uma armadura.”

Todos os cavaleiros foram então recebidos com festa nas ruas da cidade, eles eram muito conhecidos. O líder designou um cavaleiro para que se dirigisse ao artesão da cidade em encomendasse logo uma armadura para o jovem. O cavaleiro voltou dizendo que a armadura levaria três dias para ficar pronta. O líder disse: Ótimo! Durante esses três dias então, teremos tempo de ajudar os moradores a reconstruir a ponte!

Trabalharam duro durante três dias. Quando terminaram, a armadura já tinha ficado pronta. E assim foram embora, agora atravessando a ponte. Agora o jovem tinha não apenas seu cavalo,  mas também uma armadura. E havia guardado no seu bolso o balão esvaziado, quase inteiro. 

Seguiram pela estrada até a próxima cidade.

Chegando já noite na cidade, dormiram numa pousada. No meio da noite, o cavaleiro escutou seu cavalo relinchando. Todos estavam dormindo, mas ele sabia que aquele relincho era do seu cavalo, ele conhecia muito bem seu grande amigo. Olhou com cuidado pela janela, sem acender a luz, e viu um ladrão tentando desamarrar seu cavalo. Então ele foi até a cozinha, pegou uma faca, vestiu rápido sua armadura, pegou o balão e saiu pelos fundos, rápido e silencioso. Caminhou bem junto da casa para não ser visto. Então parou do lado de um lampião que estava do lado de fora, colocou sua mão segurando a faca do lado do lampião, fazendo projetar uma grande sombra no chão, bem no caminho do ladrão, que já havia desamarrado o cavalo e ia caminhando, puxando-o consigo. E gritou com toda a força, fazendo uma voz bem grave: 

– Pare aí seu ladrão, veja o tamanho da minha espada! Tenho também explosivos! 

E bum! Estourou o balão e sem nem parar de gritar, completou:

– Largue o cavalo e fuja enquanto é tempo, ou lute comigo!

O ladrão tomou um susto! Largou o cavalo e saiu correndo.

O jovem foi lá, pegou seu cavalo, amarrou de volta no estábulo, entrou na casa, foi até a cozinha e guardou a faca. Despiu a armadura e dormiu. O que o jovem não sabia é que o cavaleiro ancião também tinha acordado com o relincho do cavalo e assistiu tudo pela janela.

Então de manhã, quando todos tomavam o café da manhã, o cavaleiro ancião contou aos demais cavaleiros o que havia acontecido e, olhando para o jovem, disse:

– Você foi muito inteligente quando fez uma simples faca parecer, na sombra, uma grande espada; foi corajoso ao gritar forte e ameaçar o ladrão;  também foi prudente, se mantendo escondido. 

O jovem sentiu-se reconhecido, estava muito contente. O ancião continuou.

– Justamente por saber equilibrar a coragem com a cautela  e a inteligência, mostrou que está pronto para receber a arma dos cavaleiros.

E o cavaleiro líder levantou-se e lhe entregou uma espada.

– Parabéns meu jovem! Mas lembre-se: ao empunhar a espada, lembre dos três pilares: a coragem, a prudência e a inteligência.

O jovem segurou a espada com emoção e sentiu-se muito vaidoso. Agora ele já tinha armadura e espada, já era praticamente um cavaleiro! Sentia-se parte do grupo, igual a todos os outros. Passou a se sentir um promissor cavaleiro, começou a acreditar que era questão de tempo para se tornar um dos maiores cavaleiros de todos os tempos! Não conseguia esconder sua vaidade,  e não percebeu que todos os cavaleiros estavam o observando cuidadosamente…

Saíram para a estrada, rumo à cidade onde ficava o centro de treinamento. O jovem já estava perguntando como era o treinamento, quantos dias ficariam lá, certo de que passaria pelas provas.

Mas antes de chegar ao final da viagem, os cavaleiros conversaram entre si, sem o jovem perceber, e decidiram aplicar-lhe um último teste.  

Já próximo da cidade, no final da tarde, decidiram dormir ao relento naquela noite e seguir viagem só de manhã. O jovem, que nunca emitiu opinião antes, tomou a liberdade de questionar o motivo dessa decisão, mas apenas disseram que já era muito tarde… Ele achou estranho, pois ainda havia sol. Mas viu que não adiantaria tentar convencê-los a seguir, eles estavam decididos a acampar.

Então, conforme já haviam combinado, todos os cavaleiros levantaram, silenciosamente, pegaram seus cavalos e seguiram viagem, deixando o jovem dormindo sozinho, recostado à sua mochila. Só o ancião ficou recostado atrás de uma árvore, e deixou seu cavalo escondido entre algumas árvores um pouco adiante. 

Quando o jovem acordou já havia clareado o dia, mas ele não viu mais ninguém. Achou estranho, pensou: agora que sou um deles, eles esqueceram de mim? E o pior é que ele nem sabia o caminho para chegar até o centro de treinamento. Vai ver, não queriam que ele fosse…

Se sentiu traído, esquecido, sem importância. Só viu o seu cavalo pastando ao lado. Foi até o seu cavalo, lhe fez um afago carinhoso, ofereceu-lhe um maço de capim fresco. Calmamente buscou sua mochila com sua armadura e espada e já ia subir no cavalo para, quem sabe, seguir a estrada e tentar encontrar os cavaleiros, pedir que lhe permitam fazer a prova no centro… quando viu o ancião se aproximando. 

– Parabéns meu jovem!  Num momento de solidão e dor, você não se entregou à tristeza nem demonstrou revolta. Você foi maior que a sua dor, voltou-se para o seu grande companheiro de jornada – seu cavalo! – e retribuiu-lhe a amizade e confiança com carinho e capim fresco. Um cavaleiro sozinho não pode ir longe. Nos momentos difíceis, o mais importante é a calma e a confiança dos amigos! Você mostrou que está pronto para ser um cavaleiro, e aqui está seu grande prêmio. 

O ancião tirou do bolso um velho livro bastante usado. 

– Este livro resume toda a grande sabedoria dos cavaleiros. Pode ficar com você, eu já decorei o livro todo. Você deve ler um pouco todos os dias e, ao final da vida, terá absorvido a sabedoria e nobreza dos cavaleiros.

O jovem tomou o livro e agradeceu. Dessa vez, não ficou envaidecido, nem envergonhado de ter sido deixado para trás. Apenas entendeu que se tratava de uma lição – uma de muitas que ainda virão. 

Guardou cuidadosamente o livro na sua mochila e ambos, o jovem e o ancião, subiram nos seus cavalos e seguiram rumo ao centro de treinamento de cavaleiros.

O homem solitário

Imagem de Felix Mittermeier por Pixabay

Era uma vez um homem que morava no alto de uma montanha muito distante. Ele tinha uma casinha pequenina e morava sozinho. Na sua casinha, tinha uma cozinha com um fogão, uma mesinha e uma cadeira; no quarto uma cama e um pequeno guarda-roupa com uma porta só. Na pequena sala, o homem confeccionava sapatos. Ele fazia sapatos e vendia no povoado ao pé do morro, chamado Reino do Vale Antigo. 

Um dia, apareceu alguém que bateu à sua porta. 

Toc toc toc!!

– Quem é? Perguntou o homem com sua voz forte. Ele não costumava receber visitas.

– Hã… Sou eu, seu novo amigo!

O homem tomou um susto. “Novo amigo, ora, não tenho amigos há muito e muitos anos”, pensou o homem, desconfiado.

Mas por educação, foi abrir a porta. E deu de cara com uma raposa.

– Quem é você?

– Eu sou Raposo. Estive andando por essa linda região, pensando em vir morar nessa montanha… vi esta tão linda casinha e imaginei que deveria morar alguém muito especial aqui.

E antes que o homem pudesse dizer qualquer coisa, o Raposo, que tinha uma fala fácil, continuou:

– Posso conhecer sua casa? Aliás, está na hora do chá! O senhor costuma tomar chá à tarde? Poderíamos tomar chá juntos…

O homem já achou isso um abuso da raposa. “Surgiu do nada, quer conhecer a casa e ainda ganhar um chá! Só falta pedir biscoitos.”

– A propósito, eu adoro biscoitos de polvilho com chá, o senhor já experimentou? Derrete na boca… disse o Raposo.

– Ah, já chega! – Disse o homem – Eu não costumo receber visitas.

– Ah mas que pena, eu só queria conhecer sua linda casinha, quem sabe poderia me hospedar uns dias, posso lhe fazer companhia, afinal, deve ser muito ruim viver tão sozinho num lugar tão isolado! Posso lhe falar sobre minhas viagens…

– Não, não, não.  A casa é muito pequena e só cabe uma pessoa – Disse o homem, com sua voz forte e firme.

– Ah…. suspirou o Raposo – Se é isso que você quer, tudo bem, eu entendo, eu sempre sou rejeitado e vivo sozinho…

– Fique bem senhor Raposo! 

E o homem já foi fechando a porta.

Pensou: “Que malandro esse tal Raposo! Quer vir morar na minha casa, comer e dormir às minhas custas! Tenho que tomar cuidado com esses espertalhões.”

O Raposo, por sua vez, saiu resmungando consigo mesmo: “Agrrr, aquele homenzinho até que não é tão bobo… mas vou arranjar um cantinho para aproveitar uma vida fácil…” e seguiu sua caminhada, sem rumo, sem partida nem chegada.

No Reino do Vale Antigo havia um rei que tinha dois filhos: o príncipe e a princesa. Um dia, os dois irmãos resolveram sair para uma cavalgada e decidiram ir até o topo da linda montanha que avistavam do Reino. Saíram sem falar para ninguém sua aventura, pois todos sempre diziam que a montanha era muito íngreme e era muito longe. 

Os dois irmãos já estavam no alto da montanha quando a princesa disse:

– Veja irmão, ali tem uma casinha!

O homem, na sua casa, já tinha até esquecido da visita do Raposo quando alguém bateu na porta.

Toc, toc, toc.

– Quem é? 

– É a princesa!

“Princesa?” Pensou o homem. “Deve ser outra raposa.” Abriu a porta mal humorado, pronto para mostrar toda a sua habilidade em não ser simpático… mas tomou um susto quando viu uma menina jovenzinha vestida como uma princesa.

– Desculpe por importuná-lo. Eu só gostaria de conhecer o morador desta linda casa. Meu nome é Liz.

– Hã, hum… é…olá Liz.

– Senhor… ?

– Ah, meu nome é José.

 Ele estava se recuperando da surpresa quando viu também o rapaz montado num cavalo.

– Prazer em conhecê-lo José. Eu e meu irmão saímos para andar a cavalo.

– Ah… sim. Não costumo receber visitas. 

– Não queríamos incomodar… Bem, já estávamos de saída.

– Não se preocupem, vocês são gentis e não estão incomodando. Foi um prazer conhecê-la, senhorita Liz. 

Já ia se virando e fechando a porta quando parou e se voltou para a princesa. 

– Senhorita Liz, só uma pergunta. Quando você chegou, disse que era uma princesa. De onde vocês vieram?

– Nós somos da Reino do Vale Antigo. 

– Ah, você vem do Vale Antigo. Eu nasci lá.

– Então o senhor conhece!

– Sim, inclusive já vendi um sapato para um funcionário do seu castelo.

– Então você deve conhecer meu pai, o rei Toni de Todos.

– Sim, conheço, foi meu colega de escola, mas isso faz muitos anos…

– Ah, que legal! Vou dizer para o meu pai que conheci um velho amigo dele! Meu pai conhece todo mundo mesmo!

– Seu pai não vai lembrar de mim, faz muitos anos.

– Meu pai lembra de todas as pessoas, ele gosta muito dos amigos, tenho certeza que vai se lembrar do senhor. Até mais, senhor José!

– Hã, tudo bem. Cuidem-se nessa estrada íngreme.

O homem fechou a porta se sentindo um pouco transtornado. Começou a lembrar de quando era criança, dos amigos, da família… da mãe. Sempre ficava triste quando lembrava da mãe, que partiu tão jovem quando ele ainda era bem pequeno. Zezinho, era como o chamavam quando era criança. 

De repente lembrou que, quando a mãe morreu, ele perdeu a vontade de viver. Lembrou de um dia que não quis ir brincar com os amigos, ao contrário, sentou-se numa pedra, na frente de casa, e ficou fantasiando na sua imaginação infantil. Imaginou que ele ia morar num outro lugar, longe de todos. Ele havia imaginado que estava longe, sozinho, e então encontrou sua mãe. Ela também tinha ido embora para longe ele conseguiu encontrá-la… Nesse momento José se perguntou como ele pode lembrar dessa história que ele imaginou  quando era ainda tão pequeno? 

Quando ainda era jovem, ele foi morar na montanha. Aos poucos ele foi deixando tudo para trás, parentes, amigos, lembranças. Ele havia aprendido a fazer sapatos, e seguiu fazendo isso durante toda a sua vida. Vivia isolado, só ia até o povoado a cada três meses para vender seus sapatos. Quando tinha o dinheiro suficiente, comprava seus mantimentos e voltava para casa, caminhando pela montanha. 

Depois da visita surpreendente da princesa, muitas memórias lhe vieram à tona. Por um momento viu-se rindo sozinho, lembrando de uma brincadeira com os colegas de escola. Mas hoje ele tinha muito medo de se encontrar com eles, pois não sabia se os antigos amigos lembravam dele. Desde pequeno, ele tinha a impressão de que não tinha lugar pra ele nas brincadeiras. Pensando nisso tudo, se sentiu triste e melancólico.

José estava entregue às velhas lembranças quando alguém bateu na porta.

Toc, toc, toc.

“Será a princesa de novo?” Pensou ele. Foi rapidamente abrir a porta e deu de cara com um lindo gato preto e branco. 

– Um gato? O homem acabou dizendo essas palavras, tamanho foi seu susto.

– Miaaau, boa tarde para você também, senhor José. O senhor precisa fazer uma viagem.

– Viagem? Não, só vou para o povoado daqui uns três meses.

– Não, não, nada disso. É uma viagem mais interessante. Miaaau. Eu tenho algo para você, me acompanhe.

E o gato, num salto ágil, saiu da frente da porta e pôs-se a caminhar ladeira abaixo, em meio às grandes pedras e muitas árvores. Quando José deu por si, estava  descendo a montanha, passando entre as pedras e seguindo o gato, que desviava agilmente dos obstáculos alguns metros à sua frente. “Que raios eu estou fazendo aqui?! Nem sei onde eu estou!” Assustou-se José, mas não conseguia parar de seguir aquele animal fantástico.

Chegaram enfim a uma planície com uma grama muito verde. Então o gato fez algo que José jamais imaginaria: o gato saltou num riozinho que havia no local. “Gato não tem medo de água?” José não entendeu nada, pois esse gato não tinha medo de água. “Me acompanhe, miaaau”. O gato nadava na água. Algo dizia para José que ele não devia ir… mas um outro impulso lhe jogava para frente e não conseguia controlar suas pernas, então caminhou até o rio e entrou na água fria. Quando ele entrou na água, formou-se um enorme redemoinho e ele entrou para o fundo da água, levado pelo redemoinho. Foi muito rápido, não pode se agarrar a nada, só conseguiu encher os pulmões e prender a respiração. De repente se sentiu lançado ao chão. Ele abriu os olhos e estava dentro de uma caverna. Ali podia respirar. Ouviu passos ao lado, era o gato correndo, atravessando a caverna. 

– Miaaau, me acompanhe.

Ele correu atrás do gato, não podia mais voltar para trás, só lhe restava seguir o gato. Estava todo molhado e com frio. Viu uma claridade forte vindo da entrada da caverna. Quando chegou, olhou para fora e viu que estava em cima de um penhasco muito alto, que se erguia sobre enormes paredões de pedra. José viu que conhecia aquele penhasco, olhou para baixo, para o lado esquerdo, sim lá embaixo estava o Reino do Vale Antigo. Ele até esqueceu do gato por um momento, ficou olhando o povoado, parecia tão pequenino visto de longe. 

Mas algo estranho aconteceu. Mesmo olhando de tão longe, como se tivesse olhos de águia, conseguiu ver a si mesmo criança, brincando com os amigos da escola! Era como se estivesse vendo o passado na sua frente. Enxergava os menores detalhes e a viola inteira ao mesmo tempo. José ficou olhando para o pequeno Zezinho. Ele era o mais pequeninho de todas as crianças, corria junto e parecia estar se divertindo muito. José sentiu muito carinho por aquele menininho. José lembrou-se de que no fundo, sempre sentia uma tristeza que sempre o acompanhava, não sabia por que… Mas olhando Zezinho correndo e brincando, percebeu que nessas horas ele estava totalmente feliz. José ainda notou algo mais: tantas vezes pensou que os amigos nem lembravam mais dele, que ninguém lhe dava importância… mas vendo Zezinho agora, percebeu que os amigos olhavam para ele, o chamavam, brincavam junto muito contentes. 

A brincadeira terminou e José observou o pequeno Zezinho voltando para casa. Agora ele andava cabisbaixo. Chegando em casa, viu sua mãezinha que estava muito doente, e ficou muito triste. José se lembrou que dia era esse: o dia que ela foi embora… não pode evitar uma lágrima de dor e saudade.

Desde esse dia, José não quis mais ter ninguém em sua vida, ele temia perder a todos que amasse, e não queria passar por aquilo de novo. 

Estava totalmente absorto em suas memórias quando ouviu sua mãe: “Oi Zezinho!” José viu Zezinho dentro da casa. “Está todo suado, pelo jeito correu bastante!”,“Sim mãe”, “Que bom! Me prometa que vai ser sempre assim, feliz, sua vida inteira! Eu adoro ver você brincando contente! Amo você.”

José ouviu essas palavras da mãe e se emocionou profundamente. Mas notou que Zezinho não ouvia, Zezinho estava sofrendo profundamente pressentindo que em breve não teria mais a mãe ali, assim, ao seu lado. Ele não queria perder sua mãe. Se ele pudesse ir no lugar dela! Ela ia morrer e ele ia continuar vivendo… Zezinho se sentia culpado, sentia que não tinha o direito de viver. Mas não podia morrer no lugar da mãe… o pequeno Zezinho sofria profundamente, sentia que não tinha o direito de ser feliz vendo sua mãe tão doente. 

Percebendo que seu filhinho estava triste, a mãe resolveu falar.

– Zezinho, logo eu vou partir, você já percebeu, não é? 

Ele fez que sim com a cabeça.

– Eu preciso ir. Você precisa aceitar isso para eu poder ir em paz. Você não pode vir comigo, nem pode ir no meu lugar. Agora eu entendo… a vida tem todas as possibilidades! Você tem a vida, então você tem tudo. Viva plenamente! Vai fazer isso por mim meu pequeno?

Zezinho só ouviu a primeira frase “logo vou partir…” e não ouviu mais nada. Quando sua mãe lhe pediu “Vai fazer isso por mim meu filho?” ficou com vergonha de perguntar “isso o quê?” e apenas acenou que sim com a cabeça. José só observava, muito emocionado.

– Me dê um abraço! Disse a mãe.

José ainda lembrava desse abraço tão amoroso. Foi a última vez que José abraçou alguém. 

Agora José entendeu o quanto a mãe o amava, e pensou no quanto ela ficaria triste se visse José infeliz, isolado, carregando aquela tristeza que ele não sabia de onde vinha… mas agora começava a entender… era saudade. 

Mas as palavras ecoavam nos seus ouvidos. Zezinho não tinha ouvido, mas José adulto ouviu e entendeu! “Você não pode vir comigo… Você precisa aceitar isso… a vida tem todas as possibilidades!…  Viva plenamente!… por mim meu filho!” 

José caiu de joelhos e chorou como nunca tinha feito antes. De tristeza, de saudade, de alívio por enfim entender.

Quando parou de chorar, abriu os olhos e estava sozinho, dentro da sua casinha! O gato havia desaparecido… Que mágica foi essa? Ficou um tanto transtornado, mas não tinha tempo de pensar nisso, pois tomou uma decisão naquele momento. 

 Vestiu a roupa que mais gostava de usar e saiu caminhando montanha abaixo, pela estrada. Foi até o Reino do Vale Antigo, visitou a princesa e seu pai – velho amigo, conversaram bastante depois de tantos anos, e riram lembrando das brincadeiras. Visitou vários parentes e amigos de infância, todos estavam com saudades dele depois de tantos anos e o receberam com muita alegria.

Decidiu construir uma casa no Reino do Vale Antigo. Desde então, sua vida foi cheia de amigos, alegria e criatividade. À noite, antes de dormir, sempre lembrava da mãe e dizia a ela, na sua imaginação: mãe querida, quanta falta você me fez… Sei que um dia também vou partir, mas por enquanto, vou ficar por aqui. E dormia tranquilo.

Agora ele desfrutava de todas as possibilidades da vida!

Aventura e mistério na obra abandonada

E ele saltou com toda a força para chegar na outra borda, mas ao aterrissar, algo deu errado, e ele escorregou, e não havia onde segurar, e um frio arrepiante de medo e susto percorreu o corpo. Ele não estava preparado para aquele tombo.

Havia rememorado esse momento incontáveis vezes. Agora, estava naquele abismo.

Imagem de Артём Апухтин por Pixabay

Era uma cratera no chão, no meio daquela construção abandonada perto de sua casa, ele estava no meio daquela obra agora, para sempre? Já havia chamado, gritado, chorado. Parecia que ninguém podia ouvi-lo. E sua perna doendo e inchando cada vez mais, com diversos esfolados por todos os lados, que ainda doíam.

Dessa vez ele estava sozinho, nem o seu cachorro foi junto. Não havia ninguém para buscar ajuda. Gostaria de ter um celular, um drone. E se alguém felizmente o encontrasse ali, ainda era certo que ficaria de castigo por ter ido brincar na obra abandonada. Era uma bagunça de ferros e concretos pra todo lado, estava do mesmo jeito desde que ele era bem pequenininho. Ele nunca tinha entrado lá, só olhava da rua. 

O que poderia haver de tão terrível, além de um grande buraco para cair dentro? Seus pais faziam uma cara de horror quando ele pedia para ir olhar a obra. “Lá é muito perigoso”. Só diziam isso. Ele sentia que havia mais para ser dito, mas ninguém dizia.

Nesse momento, ele sentiu um leve tremor no chão. Que estranho, mini terremoto?

Então o chão e tudo começou a chacoalhar intensamente, a poeira levantou e pequenos pedregulhos caíram sobre ele. Num milésimo de segundo, abriu-se um buraco sob seu corpo e ele despencou, não deu nem tempo de sentir frio na barriga.

Poff! Imóvel, tentou olhar ao redor no meio da poeira. Estava vivo, sua perna continuava doendo, mas no mais, parecia bem. 

– Quem é o novato?

Ele tomou o maior susto da sua vida.

– Não sei… olha, é um garoto!

– O quê? Esses desgraçados não tem limites!! Estão contratando adolescentes?? Espero que pelo menos tenham pago o teu salário. Como é o teu nome?

Ficou paralisado. Havia uns dez homens em volta dele, com roupas e capacetes de obra, todos muito curiosos, e alguns pareciam um pouco machucados, assim como ele mesmo.

– Será que ele sabe falar? 

– Dá um tempo, ele tá com medo.

– Traz uma água pro menino.

– Não tem, eles não trocam aquele galão faz tempo, lembra?

– É mesmo.

– Ele está sem equipamento de segurança.

– Mas você é chato mesmo né!! Não vê que ninguém te ouve? Ninguém usa esse monte de máscara, capacete, trava-queda e blá blá blá…

– Se fizessem tudo certo a gente podia estar vivo seu idiota!

– KKKK ele já tá pirado!

– Ah ah! Carlos você é louco mesmo.

– Sou eu o louco?? Só vocês que não veem…

– Tá, parem, parem, deixem disso. Olhem a cara do menino, coitado, apavorado. E ele tá machucado. Menino, faz tempo que você tá aqui?

Ele conseguiu falar, tremendo:

– Não sei…

– É igual a nós, parece que faz anos, o tempo não passa. 

Então ele ouviu uma voz ao longe chamando seu nome:

– Joãoo!! Joãooo!!!

Ele disse: 

– Vocês ouviram isso? 

– Joããoooo!! 

– Eu ouvi! É o seu nome?

– Sim! Eu sou João!

– Ouviram o quê?

– Não ouvi nada.

– Chiu! Escuta!

João ouviu latidos de cães e novamente pessoas chamando seu nome. Tentou gritar, mas se sentia muito fraco. 

– Vieram procurar o menino. Vão resgatar a gente também! Estamos salvos! Ele tá aqui!! Nós estamos aquiii!!!

E todos começaram a gritar, numa euforia indescritível  – exceto aquele homem louco, que tinha dito que todos estão mortos. Nesse momento, com um sorriso, o louco se abaixou do lado de João e falou baixinho, para só João ouvir: 

– Quem sabe agora eles vão entender e vou conseguir tirar meus colegas daqui. Obrigado por ter vindo. Boa sorte, garoto!

E João sentiu lambidas no seu rosto. Um enorme cachorro marrom dava latidos altos e abanava muito o rabo comprido.

– Aqui, ele está aqui! Está vivo!!

E João sentiu que alguém falava com ele, mas não tinha forças para responder, só piscou os olhos e mexeu os dedos, como lhe pediram. E via seus novos amigos pedindo para serem levados, mas os bombeiros só prestavam atenção nele, João. Então uma médica com roupas brancas se aproximou deles e disse: 

– Vocês adultos, venham todos comigo.

João viu aqueles homens caminhando junto com a médica, e ficou feliz por eles.

No quarto do hospital, João finalmente pôde ver sua mãe e seu pai. Estavam tão felizes por ele estar vivo que nem xingaram. E resolveu perguntar pelos outros homens.

– Que homens? Você foi com algum amigo até a obra?

– Não mãe, aqueles homens que estavam morando na obra.

– Ah, tem mendigos morando lá?

– Não pai!! Eu estou falando daqueles dez trabalhadores da obra, um deles se chama Carlos, que manda todo mundo usar capacete e essas coisas.

João viu seu pai e sua mãe fazerem a mesma cara de horror que faziam quando João insistia para brincar na obra, mas dessa vez também ficaram pálidos. 

– Onde eles estão, eles acompanharam uma médica, vieram para este hospital?

– Hããã…. Provavelmente não…  disse o pai.

– Mas que bom que você está bem né filho! Logo você vai sair do hospital e então todos os seus amigos virão te visitar, estavam todos preocupados…

João nem ouviu o resto da frase. Não entendia porque ninguém nunca tinha falado daqueles homens da obra. Estava muito feliz porque agora eram todos seus amigos. Não perguntou mais nada e se resignou, afinal, nunca entendeu muito bem os adultos.