Refugiado

Sem terra, segurança ou paz

fugiu, lutou, sobreviveu

sozinho ou junto aos seus

 

Nunca deixou de pensar 

nos que ficaram para trás 

 

Memórias, medos e dores

como a dor da fome

que consome

a chance de sonhar

 

Com o raciocínio aguçado

olhar de presa ou caçador

modo sobrevivência ativado

vive o corajoso lutador

Aborto

Hoje sonhei contigo, sonhei com a filha mais velha. Era uma alegria, tudo completo. A vida era diferente, mas era feliz. Havia mais movimento dentro de casa. 

Agora estou desejando fortemente ter você conosco. Por que teve que ser assim? Só queria ter você perto de mim, para eu poder te cuidar, ver crescer e depois dizer, vá viver! Siga adiante na vida! 

É incrível como posso te sentir. Eu sei que você existe, quando eu sonho, vivo essa realidade: você é a irmã mais velha.

Minha menina, sinto muito, naquela situação… foi impossível evitar. Foi assim, eu simplesmente não pude evitar. Sinto tanto… pudesse mudar a realidade, fazer você existir de verdade. Porque eu sei que você existe. Sinto muito, muito mesmo. Que saudade. Te amo.

O conserto

A mangueira quebrou. Não entrou mais água na máquina de lavar. Também não dava para consertar. Simplesmente não funcionou mais, parou. Então, eles foram até o jardim, cortaram um pedaço da mangueira de regar flores, só um pedaço. Encaixaram um engate e ajustaram a mangueira numa torneira junto da máquina. Assim, fizeram uma ponte de safena e tudo voltou a fluir.

Você morreu

Como eu não percebi

você definhando

e eu, com coisas vis

me preocupando

 

Tudo é sem relevo

quando um amado morre

Me tornei só peso

Na vida disforme

 

É injusto ir embora

num destino cediço

Não era tua hora!

 

E quem cuida disso??

Impotente agora

estou submisso

A morte beija o rosto

Quando a morte me beijou o rosto

Eu finalmente beijei a vida

Tal qual Judas com remorso

pois viveu de forma traída

 

Estudei pra me gabar

Trabalhei para ganhar

Casei sem nem amar

Pari sem querer cuidar

 

Vida rica de esnobar

vantagens esmolar

e vem a morte imolar

 

Isso – absurdo! – me dá paz

Mata o desamor sagaz

Depois de tanto me enganar

Minha insensatez

De que vale minha ignorante expectativa

teimosa, a vida toma rumo próprio 

 

perda, dor, desamor, divórcio

são desafios, amiga.

 

Por um lado, estou perdida

mas encontro saída

da minha insensatez

 

Mergulho na vida

sim, é ampla e bonita

quando se tem lucidez

Separação

Eu saí de casa, não faz nem uma semana. Vim morar com outra pessoa, estou conhecendo sua família e amigos. Também tem dois filhos pequenos, como eu. São todos pessoas ótimas, me identifico tanto, parece que encontrei, enfim, minha família.

Aqui é um pouco diferente, ainda estou me acostumando com outra rotina, outros hábitos, tenho que me enquadrar. Eu não conhecia muito bem sua vida. É uma família grande, reúnem amigos e viajam bastante, até de trailer. Banheiro de trailer é estranho, eles almoçam todos juntos, comem pouca salada e só arroz branco. E tem coisas que não sei explicar, o olhar, o dinamismo, a energia. Foi muito intenso, foi algo como me encontrar neles, tem algo aqui que me atrai demais, sei que esse é o meu lugar.

Eu nem sei bem como eu saí da minha casa, deixei meus filhos. E eu havia dito há poucos dias que sempre estaria com eles. 

Agora estou aqui. Sei que sentem falta de mim. Tenho certeza que o mais pequeno pede por mim e chora. Isso está me doendo muito mais do que eu podia imaginar. Às vezes parece que só quero largar tudo e voltar, abraçar meus filhos e dizer: voltei pra ficar. Mas com que cara… não, não iria me perdoar, nunca. Passo os dias sem conseguir aproveitar, sem me concentrar nem no trabalho. Penso nos filhos o tempo todo. Aqui já estão me achando uma pessoa estranha. Preciso ver meus filhos, ver se estão bem.

Hoje aconteceu um acidente aqui, alguém atingiu o carro estacionado, ficou bem danificado, ainda bem que ninguém estava dentro. Já estamos vendo o conserto, vai sair bem caro.

O dia a dia aqui é leve, é bom. Mas preciso simplesmente conviver com meus filhos, preciso acompanhar eles crescendo, não posso deixá-los. Nunca me preocupei tanto com eles. Nunca pensei que sentiria tanta falta. O que eu faço?

Águas revoltas

Eu vim pra navegar águas revoltas

Não entendo, não descanso

Tanta coisa acontecendo

Um ajuda, outro morre, 

ou se muda

E a água me afunda

Sem reação

sufocado

Torno a pegar o bote

Pra de novo ser levado

Água, água em todo lado

Quando alguém me dá mão

Agarro com força

 

Não deixe a água te levar

Fica mais um pouco

Vem aprender a nadar

Saia do sufoco!