Faz dois anos, perdi uma perna num acidente de carro e tive complicações durante os seis meses que fiquei no hospital. Durante esse período, me transformei completamente, os músculos atrofiaram, desapareceu totalmente meu sex appeal – para mim, essa foi a pior coisa que aconteceu naquele momento.
Finalmente saí do hospital e depois de dois meses, o câncer havia consumido metade do meu fígado. Mais uma cirurgia, longo tempo no hospital. Confesso que eu já estava cansado de viver, mas fiquei feliz quando recebi alta, mesmo com o tratamento contínuo.
Depois, veio a Covid. Eu já havia passado por muitos tratamentos… mas a Covid me sufocava de uma maneira desesperadora. Fui entubado e – nem acredito – sobrevivi. Mas ainda vivo com constante falta de ar e fraqueza, faz dois meses.
Essa semana fiz novos exames, e hoje pela manhã os médicos me disseram que eu não farei mais cirurgias, que eu tenho menos de dois meses de vida e que meu fim vai ser sofrido, infelizmente.
Mas me deram um alento: eu posso pedir desde já a eutanásia. Se eu preferir esperar, posso pedir depois, quando a dor aumentar muito. Se eu quiser ainda essa semana, preciso confirmar até amanhã, pois eles precisam agendar horário para o procedimento.
Meu mundo terminou de cair. Mas a ideia é tentadora. Junto com meu corpo, minha vida também se despedaçou. Dou-me conta do quanto fui ingênuo quando acreditei que seria recompensado por ser bom, ou castigado por ser ruim. Não tem nada a ver, tem um monte de gente ruim sortuda, e gente boa se dando mal. Minha família cuida de mim, mas sei que sou um peso. Sofrem por mim, mas sei que sofrem mais por ter que cuidar de mim. As pessoas me olham com pena ou repugnância. E o Deus amoroso, cadê? Nem o velho barbudo vingativo não existe, não existe nada disso. Se eu não sentisse alguma dor, eu diria que nem eu existo, às vezes penso que sou uma ilusão, preso numa matrix. Hoje não quero mais pensar em nada, estou exausto.
Instantes depois, uma mulher alta, jovem e bonita chegou bem perto do seu rosto e disse: vem comigo. Ele não teve escolha, saiu caminhando atrás da mulher. Ela o levou por um corredor branco, depois entraram em um quarto branco no qual havia uma cama, com várias pessoas ao redor de uma maca. Chegou mais perto e viu um corpo sendo retalhado. Quando se aproximou, viu o seu próprio corpo sendo cortado. E ele ali do lado, olhando… mas não tinha nenhuma dor. Pelo contrário, sentia-se completamente leve e com uma alegria transbordante. Paradoxalmente, sentiu-se mais vivo do que nunca.
Acordou renovado, com uma irracional, inexplicável e inabalável paz e confiança no futuro.
Lembrou da oferta da eutanásia. Ligou para o hospital e disse: “Com corpo ou sem corpo, escolho a vida”.