O falastrão

– Bom dia querida!

– Bom dia.

– O que temos para o café? Hum omelete! Acertou, estou com fome.

– Eu também. 

– Há eu gosto assim, você sabe né? Um pouco torrado ao redor, mas macio por centro, assim meio grosso, pra ficar com essa textura…

Depois de vinte minutos falando, ele estava saindo.

–  Muito bem, o trabalho me espera, hoje vai ser um dia cheio, tenho metas importantes para hoje! Eu ia dizer pra você me desejar sorte, mas tenho certeza que nem precisarei! Hahaha. Tchau, até de noite!

– Tchau.

Todo dia era assim. Ele era o centro, ele falava, ele tinha todas as iniciativas para tudo. Quando o conheceu, ela se encantou com a personalidade dele, extrovertido e cheio de autoconfiança.

Ela era o contrário dele. Desde criança se sentia invisível. Às vezes queria ser vista; outras vezes, sentia uma vontade inexplicável de sumir, desaparecer de vez.

– Bom dia minha querida!

– Bom dia.

– Cheiro de torrada! Minha preferida! Eu sei que a mais tostada é a minha… só tem uma?

– É a sua.

– Você não vai comer?

– Estou sem apetite, me sinto fraca… faz tempo, na verdade…

– Há já sei! Então você precisa de um café da manhã mais reforçado! Nenhuma fraqueza resiste a uma omelete com torrada com queijo derretido…

Depois de vinte minutos falando, ele estava saindo.

– Tchau querida!

– Tchau.

Alguns dias depois…

– Bom dia querida!

– Bom dia.

– O que temos pro café hoje? Só pão e requeijão?

– Estou sem energia pra fazer nada. 

– Ah, tudo bem, descanse um pouco. Eu me viro com isso mesmo. Depois eu faço um almoço reforçado…

Pela primeira vez ela o interrompeu. 

– Preciso te contar algo importante…

– Ah, minha querida, por falar em importante, você é a coisa mais importante da minha vida, nada seria mais importante do que você, você sabe disso, não é?

– Sim, mas ontem fui ao médico…

– O Dr. José? Ah! Ele é incrível não é? Faz tempo que não vou lá. Da última vez ele me disse “a sua voz ainda vai ecoar por muito tempo, você está forte como um touro!!” Hahaha, ouviu isso? Forte como um touro!

– Não fui ao Dr. José, precisei de outra especialidade, na verdade…

– Agora que eu vi a hora, estou quase atrasado, se vir o Dr. José, mande lembranças! Tchau meu amor!

– Mas… tchau.

Alguns dias depois…

– Há, você ainda está na cama? Desculpe, vou me vestir com a luz apagada para deixar você dormir… você anda sonolenta hein? Talvez seria bom ir ao médico. O Dr. José é muito bom, lembra dele? Ah, desculpe, você está dormindo. Pode ficar aí, eu já encontrei minha roupa, não se preocupe comigo, eu vou tomar café naquela padaria da esquina, sabe qual? Lá, o café é quase tão bom quanto o seu. Tchau querida!

O dia passou rápido. À noite, quando ele voltou, estranhamente não tinha ninguém em casa. Em poucos minutos ouviu a campainha e foi atender.

– Sim!

– Olá, sou seu vizinho de apartamento…

– Sim, eu sei, já nos encontramos no elevador algumas vezes, não é? Em alguns dias quando eu saí em horário diferente encontrei o senhor, é que normalmente eu saio bem cedo…

– Tentamos contato com o senhor a tarde inteira…

– Ah, hoje passei o dia correndo, passei a tarde ocupado com três reuniões, foi uma loucura…

– Entendo, mas queria lhe falar sobre sua esposa.

– Ah, sim, ela é uma pessoa maravilhosa, mas sabe, vou lhe dizer uma coisa, em tantos anos de casados ela sempre estava em casa nesse horário e o senhor não vai acreditar, pela primeira vez chego em casa e ela não está! Sabe…

O vizinho interrompeu e falou alto.

– Ela foi encontrada morta em casa hoje e acabou de ser enterrada.

– O quê??

– Isso que o senhor ouviu, sinto muito falar dessa forma, é que eu estava tentando lhe dizer… 

– Mas como assim? Morrer assim de uma hora pra outra? Que tristeza!

– Na verdade ela estava doente há meses…

– Que tristeza! Mas e agora, quem vai morar comigo? Assim, de uma hora para outra, eu não estava preparado! 

Fez meio segundo de silêncio. E continuou de supetão.

– Sabe amigo, vou lhe contar um segredo: ela era a pessoa com quem eu mais gostava de conversar…

E o vizinho conseguiu se desvencilhar depois de dez minutos e dezoito olhadas discretas para o relógio.

Ele, o falastrão, entrou no seu apartamento. Sozinho.

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