Depois de alguns anos de casamento – 2

– Querido, só queria sua opinião, será que fica melhor esse sapato do pé direito ou essa sandália do pé esquerdo? 

Ela sabia que ele não prestava atenção nem num nem noutro e respondia qualquer coisa para agradá-la. Ainda mais enquanto estava conversando como pintor, sonhando com a reforma que há alguns meses começou a idealizar. Ela gostava do apartamento como estava, mas não se opôs a mudar a cor. Ele era engenheiro, tinha bom gosto e queria modernizar o lar doce lar, então ela deixou ele escolher as cores, ela sabia que isso era muito importante para ele. 

Ela sabia que o sapato ficava melhor, o que ela queria era fazer ele olhar para ela. Todas as vezes que ela se arrumava, ela sentia que, de alguma forma, era importante fazer ele olhar para ela, fazer ele prestar atenção aos detalhes. É claro que ela não estava realmente interessada nos pontos de vista dele sobre estética ou moda, mas toda vez que ela ia pedir uma opinião para ele, o fitava com olhos aguçados e atentos, com olhar felino certeiro, ela prestava atenção nos olhos deles. Se ele olhasse para suas pernas, sabia que a saia havia agradado; se ele olhasse para o busto, sabia que a blusa lhe caiu bem. E ela percebia instantaneamente pelo olhar dele, se gostou ou achou extravagante. Ele era mais discreto, infelizmente, ela gostava de cor, alegria e ousadia, mas se continha um pouco para agradar o perfil dele. Estavam casados há quinze anos, tinham dois filhos. Ele era um engenheiro bem empregado numa empresa construtora de médio e alto padrão, e ela, psicopedagoga em uma escola renomada. Tinham dois filhos saudáveis, lindos e inteligentes. Estava feliz, realmente feliz e satisfeita com a vida. 

Mas sabia que não era fácil manter esse casamento bem-sucedido. Sabia que, ainda que fosse uma profissional bem-sucedida e realizada, não podia deixar de ser uma versão atualizada da rainha do lar. Pensava: “um lar depende da mulher, todas nós mulheres sabemos disso”. Ela sabia que precisava se arrumar, manter a forma, talvez daqui alguns anos fizesse uma plástica. Além disso, sempre mantinha o olhar atento no bem-estar de todos em casa, até do gato dorminhoco, xodó do caçula. Orientava a empregada, ela mesma escolhia as compras no mercado, observava os filhos todos os dias, sem falhar um sequer, quando voltavam da escola, para ver se estavam bem. A sua intuição felina imediatamente captava algo no ar quando um dos filhos passou por alguma dificuldade, ou se desentendeu com algum amigo. Também percebia instantaneamente quando o esposo estava cansado ou preocupado, mesmo que ele não mudasse uma vírgula do seu comportamento habitual. E sempre encontrava uma maneira de fazer cada um falar sobre o que o atormentava, ou encontrava uma maneira de sugerir uma solução, contando uma história sobre alguém, opinando sobre determinada situação aparentemente nada a ver…

Ela realmente era ágil como uma gata, tanto no pensamento quanto no corpo. 

E sabia que seu perfil flexível envolvia aquele engenheiro tão exato, rigoroso e estruturado quanto as estruturas dos prédios que projetava. Ao mesmo tempo, precisava se desdobrar para atender bem as duas crianças. Ele era um bom pai, certamente. Mas não tinha muita sensibilidade para perceber as necessidades e sentimentos das outras pessoas. Ela, ao contrário, amava o universo infantil. Quando via uma criança, imediatamente sabia se a criança estava feliz ou infeliz, se a mãe ou o pai eram presentes ou ausentes, se dormia e se alimentava bem, bem se tendia à depressão ou hiperatividade… Ela tinha uma capacidade de percepção diferenciada. Além de dezessete anos de experiência em escolas. 

Naquele dia, as crianças foram dormir – ou fazer bagunça – na casa da avó. É uma programação desafiadora para a avó, mas esperada ansiosamente pelas crianças e pelos seus pais… 

Quando terminou de se arrumar, adentrou na sala, como uma atriz que caminha sobre o tapete vermelho para receber um prêmio. O breve olhar do pintor denunciou que ela estava realmente deslumbrante, apesar de todos os esforços dele para se manter neutro. E o esposo? Sim, gostou. Mantendo a sobriedade ao lado do pintor, não pôde disfarçar certo entusiasmo maroto quando disse: bem, vamos então? Olhando-a discretamente dos pés à cabeça com olhos masculinos. O peito discretamente estufado confessava o vulcão que começava a se incendiar dentro dele. 

Aquela noite seria memorável. Um tempo só para os dois, sozinhos, como nos tempos de namoro. Aprenderam que nessas ocasiões, além de deixar o celular de lado, é desejável algum esforço para não falarem dos filhos durante o jantar – ou pelo menos não o tempo todo. 

E assim saíram. Ela fazia questão de caminhar perfumadamente na frente de seu esposo, distante o suficiente para que ele pudesse vê-la inteira, e perto o suficiente para que ele quase pudesse tocá-la. Ela sabia o ponto exato para hipnotizar um homem. E assim mantinha o romance, o casamento e a família. Sabia que amanhã estaria morrendo de saudades dos filhos, mas hoje ela queria ser só uma mulher.

Deixe um comentário