A morte beija o rosto

Quando a morte me beijou o rosto

Eu finalmente beijei a vida

Tal qual Judas com remorso

pois viveu de forma traída

 

Estudei pra me gabar

Trabalhei para ganhar

Casei sem nem amar

Pari sem querer cuidar

 

Vida rica de esnobar

vantagens esmolar

e vem a morte imolar

 

Isso – absurdo! – me dá paz

Mata o desamor sagaz

Depois de tanto me enganar

Minha insensatez

De que vale minha ignorante expectativa

teimosa, a vida toma rumo próprio 

 

perda, dor, desamor, divórcio

são desafios, amiga.

 

Por um lado, estou perdida

mas encontro saída

da minha insensatez

 

Mergulho na vida

sim, é ampla e bonita

quando se tem lucidez

Separação

Eu saí de casa, não faz nem uma semana. Vim morar com outra pessoa, estou conhecendo sua família e amigos. Também tem dois filhos pequenos, como eu. São todos pessoas ótimas, me identifico tanto, parece que encontrei, enfim, minha família.

Aqui é um pouco diferente, ainda estou me acostumando com outra rotina, outros hábitos, tenho que me enquadrar. Eu não conhecia muito bem sua vida. É uma família grande, reúnem amigos e viajam bastante, até de trailer. Banheiro de trailer é estranho, eles almoçam todos juntos, comem pouca salada e só arroz branco. E tem coisas que não sei explicar, o olhar, o dinamismo, a energia. Foi muito intenso, foi algo como me encontrar neles, tem algo aqui que me atrai demais, sei que esse é o meu lugar.

Eu nem sei bem como eu saí da minha casa, deixei meus filhos. E eu havia dito há poucos dias que sempre estaria com eles. 

Agora estou aqui. Sei que sentem falta de mim. Tenho certeza que o mais pequeno pede por mim e chora. Isso está me doendo muito mais do que eu podia imaginar. Às vezes parece que só quero largar tudo e voltar, abraçar meus filhos e dizer: voltei pra ficar. Mas com que cara… não, não iria me perdoar, nunca. Passo os dias sem conseguir aproveitar, sem me concentrar nem no trabalho. Penso nos filhos o tempo todo. Aqui já estão me achando uma pessoa estranha. Preciso ver meus filhos, ver se estão bem.

Hoje aconteceu um acidente aqui, alguém atingiu o carro estacionado, ficou bem danificado, ainda bem que ninguém estava dentro. Já estamos vendo o conserto, vai sair bem caro.

O dia a dia aqui é leve, é bom. Mas preciso simplesmente conviver com meus filhos, preciso acompanhar eles crescendo, não posso deixá-los. Nunca me preocupei tanto com eles. Nunca pensei que sentiria tanta falta. O que eu faço?

Águas revoltas

Eu vim pra navegar águas revoltas

Não entendo, não descanso

Tanta coisa acontecendo

Um ajuda, outro morre, 

ou se muda

E a água me afunda

Sem reação

sufocado

Torno a pegar o bote

Pra de novo ser levado

Água, água em todo lado

Quando alguém me dá mão

Agarro com força

 

Não deixe a água te levar

Fica mais um pouco

Vem aprender a nadar

Saia do sufoco!

Ai, isso é passado

Ai, aí está o teu amor

é grande teu fantasma

ele deslumbra em horror

e sufoca como asma

 

Você respira fundo

cresce mais que o mundo

Manipula tudo

Pra ninguém te desprezar

 

Ai, aí está tua dor

sobrevive em torpor

medo de não aguentar

olhando duramente

pro alto e pra frente

não vê o que sente

 

No lugar indecente

que não te pertence

no passado se perdeu

repetindo o velho clichê

 

Ai, entendo, é assim…

Esse apego prendeu você

que sem querer disse sim

Sair do casulo

Me despeço

quebro algo em pedaços

e o que sobra

sem o peso de antes

parece frágil

mas também é leve

 

Despedida olhando pra trás

é trapaça

Apenas choro e vou adiante

sem me apegar

deixo passar

somente

 

Cada momento é docemente doído

como a borboleta que sai do casulo

e suas asas ainda não batem

É preciso esperar

Quero escrever recomeçar

mas não sei quando rimar