Recebi tanto

Do pai e da mãe a vida

De pessoas queridas

atenção e olhar 

Dos cuidadores

condições de crescer

De professores

aprendi a estudar

De mercadores

tantas coisas para comprar

Dos mais velhos

alguma rabugice

e muita sabedoria

Das pessoas más

injustiças e crueldades

e, logo, oportunidades

de gerar mais paz

Do país

um chão pra pisar

e escola pra estudar

Recebi tanto sempre

que me envergonho 

de ficar descontente

ou indolente

Eu quero compensar

O peso da guerra e o preço da paz

Dois jovens viajavam lado a lado. No meio da viagem, conversando, descobriram que pensavam de maneira diametralmente oposta sobre o mundo Chegando ao final da viagem, se despediram, mas decidiram manter o contato e ver qual dos dois chegaria melhor ao final da vida e, assim, aquele que estivesse melhor demonstraria através dos próprios fatos que estava com a razão. Um terceiro, que ouvia a conversa e achou a ideia muito boa, se dispôs a avaliar no final.

Um deles amava a paz e evitava todo conflito. Ao perceber dissonâncias num ambiente, cuidava ao máximo para não se envolver em nada. Quando tinha oportunidade, tentava atuar de maneira conciliatória, mas muitas vezes suas opiniões nem eram ouvidas.

O outro não suportava algumas coisas que considerava muito erradas. Ao contrário do primeiro, se posicionava e se envolvia fortemente em muitas questões. Apesar de seus esforços para efetivamente apresentar soluções, muitas vezes suas opiniões, igualmente,  não eram ouvidas.

O primeiro desistiu de falar e silenciou. O segundo desistiu de falar e lutou.

No final da vida, os três se reuniram. O primeiro disse: 

– Me sinto triste e sozinho, passei a me sentir indiferente e não criei nada de importante, mas estou leve e tranquilo. 

O segundo disse: 

– Passei por cima de algumas pessoas no caminho, foi pesado e estou todo esfolado, mas consegui várias coisas pelas quais lutei, tenho vários amigos, isso tudo me dá satisfação. 

O terceiro disse: 

– Bem, então o vencedor fui eu. 

– Como assim? Disseram os outros dois.

– É que com o tempo eu consegui ouvir e entender a todos. E entendi que, de alguma maneira, cada um tinha um pouco de razão, mas na maioria das vezes, eu não conseguia fazer com que cada um entendesse o outro.

Os dois primeiros perguntaram: 

– Mas você silenciou ou lutou? E se lutou, de que lado? 

– Eu silenciei às vezes, outras vezes falei. Quando ficou pesado demais, humildemente larguei. Quando o motivo me parecia justo, corajosamente lutei. Acabei até mudando de lado, sem nunca ter certeza do que era melhor. No fundo, o que eu fiz não fez muita diferença. 

– Se não fez diferença, você também não deveria ser o vencedor.

Por fim, os três concluíram que a guerra tem peso e a paz tem um preço. E que a primeira ação deve ser a boa disposição para a comunicação.

No fundo da violência

Eu me descontrolo, enfureço, perco o controle sobre mim

Não me conheço, humano ou monstro?

Amo tanto a todos, mas quando me perco, o monstro… 

Não quero fazer mal, mas não basta o querer 

tenho medo do que possa acontecer

 

Eu não sou malvado 

Donde vem esse castigo?

Eu sei que é bem antigo 

pudesse voltar para o passado 

consertar o quebrado 

reviver quem foi morto 

reescrever o destino torto

 

Espelho da minha vida 

vou curar essa ferida 

olhar toda a dor e desgosto 

Não é uma criança pequenina 

quem encara a força da vida

e sim o adulto poderoso

 

Eu vejo o sangue derramado 

lá no desconhecido passado 

ensandecendo meus neurônios 

Respiro no meu coração 

peço perdão 

sem esperar ser perdoado

só me revelo envergonhado

mas não posso mudar o passado

 

E agora entendo com clareza 

a raiva é a fraqueza 

de quem se sente miudinho

com uma dor maior que tudo

jogando sobre o mundo 

o que não pode carregar sozinho

 

Assim a violência chegou aqui 

mas não vai mais prosseguir

E a dor pode terminar 

porque eu posso renunciar 

E escolher viver e renovar

Vida é experiência infinita 

laboratório a céu aberto

 

Agora escolho

o amor eu professo

e me alegro pacificado

vibro com o sucesso 

não importa de que lado 

a todos acolho

de modo indiscriminado 

 

Cabe a vida inteira 

num dia consagrado

pelo peso de um fato 

que atravessa séculos 

quase intacto 

Até que é renovado 

em nova geometria do bem

antes impossível 

inimaginável 

É quando o ser

mais e mais amável 

na benevolência tem 

boa companhia

 

Estar inteiro na vida

é deixar ir o que foi um dia

e deixar vir o que não veio ainda

Refugiado

Sem terra, segurança ou paz

fugiu, lutou, sobreviveu

sozinho ou junto aos seus

 

Nunca deixou de pensar 

nos que ficaram para trás 

 

Memórias, medos e dores

como a dor da fome

que consome

a chance de sonhar

 

Com o raciocínio aguçado

olhar de presa ou caçador

modo sobrevivência ativado

vive o corajoso lutador

Aborto

Hoje sonhei contigo, sonhei com a filha mais velha. Era uma alegria, tudo completo. A vida era diferente, mas era feliz. Havia mais movimento dentro de casa. 

Agora estou desejando fortemente ter você conosco. Por que teve que ser assim? Só queria ter você perto de mim, para eu poder te cuidar, ver crescer e depois dizer, vá viver! Siga adiante na vida! 

É incrível como posso te sentir. Eu sei que você existe, quando eu sonho, vivo essa realidade: você é a irmã mais velha.

Minha menina, sinto muito, naquela situação… foi impossível evitar. Foi assim, eu simplesmente não pude evitar. Sinto tanto… pudesse mudar a realidade, fazer você existir de verdade. Porque eu sei que você existe. Sinto muito, muito mesmo. Que saudade. Te amo.

O conserto

A mangueira quebrou. Não entrou mais água na máquina de lavar. Também não dava para consertar. Simplesmente não funcionou mais, parou. Então, eles foram até o jardim, cortaram um pedaço da mangueira de regar flores, só um pedaço. Encaixaram um engate e ajustaram a mangueira numa torneira junto da máquina. Assim, fizeram uma ponte de safena e tudo voltou a fluir.

Você morreu

Como eu não percebi

você definhando

e eu, com coisas vis

me preocupando

 

Tudo é sem relevo

quando um amado morre

Me tornei só peso

Na vida disforme

 

É injusto ir embora

num destino cediço

Não era tua hora!

 

E quem cuida disso??

Impotente agora

estou submisso