Condenado

Arrastando o peso

atado aos pés

Não posso fugir

nem parar

tenho que seguir

 

Me sinto preso

Ao revés

queria sorrir

amar, cantar

Mas para onde ir?

 

Uma forca, fim da linha?

Ou um tiro na espinha

vai atravessar?

Vou sentar

e eletrocutar?

 

Se pudesse pagar

de outro modo que não com a vida

 

Ainda assim seria pagar

uma dívida infinita

 

Como se mede o subjetivo?

Quando termina minha dívida??

 

O que está acontecendo?

Todos estão se reunindo

Estou vendo 

e ouvindo

Eles começam a me olhar

 

Decidimos aceitar

que dor não tem pagamento

importa é evitar

propagar mais sofrimento

 

Só caminha a contento

quem para de se voltar

Pós-niilismo

Nas dificuldades 

encontrei verdades

que guiam minha vida

Perdi toda a vaidade

Foi uma dor, sabe

bem dolorida

Ainda lembro

um ou outro dia

daquele tempo

que eu sentia

que tudo podia

Ocorre que, seja sina 

sejam escolhas

daqui hoje posso ver

era só plástico-bolhas

Hoje tenho liberdade

vivo em paz, bem direito

sem apego e sem receio

O caminho do amor é tão liberto

desnorteia a razão certeira

mas o medo se esgueira

até que se aceita

e desiste da luta

Então, abrupta

e abundantemente

veio inovação persistente

e um coração tão grande

que ama toda a gente 

É que sempre vejo e percebo

todas as dores do mundo

Todas, de todos

grandes e pequenos

importantes e bem menos

inteligentes e tolos

pessoa ou animal

todos, afinal

Quem conhece a dor do absurdo

e mergulha no niilismo total

ou sucumbe ao fatal

ou renasce e reescreve tudo

Ressignifica a vida e a morte

e domina o bem e o mal

Na pandemia

Era uma vez um jovem que gostava de fazer muitas coisas 

e tinha que fazer muitas outras de que não gostava

O tempo foi passando, se tornou um adulto

que gostava de fazer algumas coisas mas não tinha tempo

pois precisava fazer outras

Porém, sempre ficava sonhando que realizava

sentindo na sua fantasia a amplitude e realização 

que o dia a dia limitava em vão

Assumiu mais compromissos para, claro

se estruturar e poder então se realizar

Os compromissos tomaram tanto tempo e dinheiro! 

Não dava mais nem tempo de imaginar

Agora não tinha mais amplitude, só obrigações

Esqueceu dos sonhos

a mente aprendeu a só raciocinar

Estava no auge da vida

nunca esteve tão estruturado

e tão limitado 

Então um dia… 

pareceu que deu tudo errado

Doença, surto, crise, pandemia… 

o que você imaginar, isso mesmo

tudo da noite para o dia

A estrutura parecia que caía. 

Desilusão, sofrimento… 

Ele não era mais nada nesse momento

E começou a sobrar tempo

lembrou de velhos sonhos

Recomeçar? Boa ideia. 

Reduziu os pesos

abandonou as vaidades

quanta perda de tempo! 

Reencontrou vivacidade

Os antigos sonhos não se realizaram

mas os adaptou à realidade 

e esta os abraçou

O ser humano é tão versátil 

O mundo comporta tanto enredo

Realizou-se, foi agradável

não sonhou mais em segredo

Traquina

Experimento a cada dia

breve e leve euforia 

quando só tenho alegria 

e todo contentamento

 

Rima leve e escorreita 

escrita sem receita 

no momento que me espreita 

um firmamento sonolento  

 

Longe de ser perfeita 

falo tudo que eu quero

ah que amanhecer belo 

 

Ideia é um presente

que tanto inspira a gente 

nessa vida cogente 

 

não encaixo na máquina 

que me aperta e tritura 

pois me quebra a postura

então virei traquina

 

Imprudente? 

Certamente!

Mas não indiferente

à magia de renascer

e viver alegremente

Madrugada

Antiga cilada

de pesadelos incontroláveis

hoje a madrugada 

traz presentes inefáveis

indescritíveis imagens

 

O santuário da solidão plena

o momento da alma cheia

que alguma palavra entremeia

vaidosa, se achando poesia

 

Mas a poesia chega humildemente

como a lua discreta

que soletra o coração da gente

Ou como as estrelas

pelas telas do céu

pintando sem pincel

 

Poesia também brota do chão

da escuridão imputável

com medo de ficar revel

 

por isso fala bastante

faz um discurso excitante

Reescreve cada linha 

Realinha cada instante

Mergulhar

Não sei ficar boiando

Gosto de mergulhar

Não sei pegar leve

E mesmo que pese

me jogo no mundo

como um moribundo

 

E se eu morresse hoje?

Não fiz nada! Ojeriza

de mim mesma

Lerda que nem lesma

Dei tanto tempo a tudo

que não interessa

 

Só nadei com pressa

e sem rumo 

Agora afundo

mas no prumo

até que o oxigênio deixe

Ou uso equipamento de mergulho

Ou aprendo a respirar como peixe

Construí um império

Eu construí um império

Com muito sucesso

Resido num paraíso

Tenho tudo em abundância

Satisfação, orgulho e ganância

 

Minha construção é vazia

meu trabalho é sem sentido

Ganho bem pra prejudicar 

quem não é meu amigo

e nem inimigo

 

Eu sorrindo sabendo

que quem sorri pra mim 

está sofrendo

Todo mundo mantendo

aparências sem fim

 

Sucumbi ao peso 

do que construí

O que vou legar?

Algo pra carregar?

 

Chega, parei aqui.

Isso vai ter fim.

 

Vou mudar o império

Isso é sério

Porque de velho

basta eu pra ranzinzar

 

Quem inova se arrisca

a andar numa pista

que se avista no ar

Como a águia

Como águia

voo pro alto

o olhar agudo

vê de assalto

 

Como águia

busco a caça

levo pro ninho

amor e graça

 

Como águia

à meia idade

o ninho vazio

maturidade

 

Como a águia

sei cuidar e caçar

sei quando voar

e a hora de pousar

Roubaram meu celular

Roubaram meu celular. Roubaram meu celular! Levantei daquele banco por uns instantes. Como é rápido, tanta gente, impossível, perdi. Estou desnorteada, caminhando entre tanta gente em quem não confio. Acho que sempre fui meio desconectada. No fundo, eu queria perder o celular, eu queria me desconectar, descansar, desligar. Agora admito isso pra mim mesma. Caminhando e pensando, subi esse morro e vejo muitos fervilhando lá embaixo. Perdi o chão, desconexão, estou flutuando. Sinto medo, não sei se é de voar alto demais, ou de aterrissar. Não, nem um nem outro. É de nunca mais me conectar.