Não sei sentir saudades
Quando lembro do passado
Esqueço de fato
e vejo o abstrato
Se penso no passado
ele está aqui, melhorado
E o futuro, por absurdo
que pareça, talvez pertença
já ao presente, latente
A revolta me consome
injustiça tem nome
Isso é desumanidade
a esperança foge e some
E sigo como um louco
um dia em cima do outro
o tempo como um tiro
matando pouco a pouco
Com o passado lado a lado
Estou tão cansado
há uma luz no fim do túnel
Mas ficar aqui cercado?
Então sou tomado
pelo fim consumado
do passado iminente
e arrisco ver à frente
Fez-se grande tão pequena
lhe aplaudiram muito
e assim cresceu forte e serena
Foi quando chegou o nenê
E de grande viu-se pequena
ao vê-lo crescer
Pôde então perceber
que só queria ser
a pequena que não pôde
Encaramujou, amiudou-se
Saciou a solidão infante
E depois cresceu até encostar
a cabeça no céu
e os pés no mar
Vendo os peixes a nadar
o nenê a brincar
e as aves a voar
Vida tem cor e textura
movimento, som, diabrura
Do céu e sol ao inverno
Da sanidade à loucura
Bagunçado rebuliço
Onde colocar tudo isso?
Algo tem que ser eterno?
Desato esse compromisso
Vida tem fim, meio e início
Na contramão tem sentido
Só depois se vê o auspício
De cada dia bem vivido
E se libera do hospício
Com o destino cumprido
Ouço vozes no meu coração
me chamam a atenção
me dizem sim ou não
me confundem a razão
Se ouço fico louca
Se digo – Ah, coisa pouca
Adoeço de tédio
Na mesmice do mundo
sem remédio
para o absurdo
Ouço vozes
outros, todos
muitos de mim
Escolho qual seguir
Escolho prosseguir
ou desertar
Escolho nutrir
ou abandonar
Pago o preço por cada escolha
Isso é certo
Ganho e perco, dou e recebo
De peito aberto
E se não puder escolher
Acolho de coração e mente
abro os braços e sigo em frente
Não temo mais nada na vida
nem dificuldade atrevida
nem depressão funda caída
simplesmente porque já cresci
Não temo mais nada na vida
nem a maior felicidade
nem velhice nem mocidade
existo plena sem reservas
Não temo mais nada na vida
Nascer, renascer ou dar a luz
Prender, me algemar, Habeas-corpus
Aceito os limites e engrandeço as liberdades
Não temo mais nada na vida
Amor puro ou medo do açoite
O dia nasce após a noite
Estou presente a cada instante
Nenhuma escolha é fácil
Mesmo o menor esforço
traz algum remorso
faz se sentir frágil
Ao abraçar a superação
com toda veemência
vem o desejo de conforto
a preguiça opõe resistência
A liberdade cativa
a quem se atira
Mas logo termina
como cruzar a piscina
Atravessar os mares
aporta imensidão
mas impõe dificuldades
de perder o chão
seja qual for a decisão
que ao menos não seja em vão
A violência a pegou de assalto, traiçoeira pelas costas, sem chance de defesa, de reação, a tirou do chão. Dor, tristeza, ela só queria cuidar e curar. Não deu tempo para nada, impossível entender o porquê. Impossível evitar. Se ela pudesse prever, não estaria lá. Agora só queria um colo quentinho, queria chorar mansinho. Está se acalmando, é só deixar passar. Alguém ainda gritou: Isso não pode ficar assim! Justiça! Vingança! E ela falou: conheço quem me atacou, era eu há trinta anos atrás.